San Juan, Porto Rico, 30/1/2012 – O governo de Porto Rico busca reduzir as crescentes tarifas dos serviços públicos e ao mesmo tempo se volta para fontes de energia mais limpas. Porém, enfrenta a oposição popular a dois grandes projetos, mesmo com um deles empregando recursos 100% renováveis. As objeções aos planos – um gasoduto e um sistema de energia eólica – se referem principalmente às suas localizações, revelando os complexos interesses em jogo na hora de implantar mudanças na rede elétrica da ilha.
O gasoduto partiria da costa sul, se dirigiria ao norte através da cordilheira central e da ecologicamente delicada zona cársica, e depois a leste para a área metropolitana de San Juan, densamente povoada. O gasoduto é chamado de “via verde” pela estatal Autoridade de Energia Elétrica (AEE), e de “tubo da morte” por seus críticos. A AEE tem o monopólio da geração elétrica nesta ilha do Caribe, mas desde a década de 1990 compra energia de instalações privadas.
O governo argumenta que o gasoduto reduzirá as tarifas, que dispararam nos últimos anos, bem como a dependência de combustíveis fósseis mais contaminantes. A maior parte da energia pública é produzida por instalações termoelétricas, que usam combustíveis à base de petróleo altamente contaminantes, como o Bunker C ou o “destilado #2”. O “gás natural é o combustível fóssil mais limpo que existe”, destaca a AEE, acrescentando que gera 64% menos contaminantes atmosféricos do que o petróleo, além de ser mais econômico.
Citando dados da Administração de Informação de Energia dos Estados Unidos, a AEE informou que o gás natural continuaria sendo mais barato do que o petróleo e que os fornecimentos mundiais seriam suficientes nas próximas décadas. Contudo, o governo não fará mais do que mudar de um combustível perigoso e não renovável por outro, alertou o professor Arturo Massol Deya, da Universidade de Porto Rico, um dos mais francos oponentes ao projeto.
“Como ilha, estamos no beco sem saída da dependência do petróleo, e o governo está mudando isso pelo beco sem saída do gás natural, quando temos em abundância sol, vento e recursos hídricos com os quais gerar a energia que necessitamos”, defendeu Deya à IPS. O professor é porta-voz da Casa Povo, organização comunitária na localidade montanhosa de Adjuntas, que seria atravessada pelo gasoduto de sul a norte.
“Temos objeções fortes e bem fundamentadas relativas ao impacto ambiental, bem como à segurança diante dos inevitáveis desafios naturais, como áreas fortemente inclinadas, áreas propensas a inundação, fortes precipitações, falhas geológicas e muito mais”, explicou Deya. “E, além disso, o que se economiza mudando de um combustível para outro equivale a apenas 1% por quilowatt/hora”, acrescentou.
A Casa Povo e outros grupos contrários ao projeto realizam um grande esforço para deixar claro que não necessariamente se opõem ao gás natural. Acreditam que é possível fazer um transição da energia termoelétrica para o gás natural sem construir um gasoduto ao longo da ilha, que começaria na EcoEléctrica, um gerador de gás natural na costa Sul que fornece cerca de 13% da eletricidade da ilha.
A EcoEléctrica, que iniciou suas operações em 2000, está a apenas dois quilômetros da Costa Sul, complexo termoelétrico da AEE que produz 30% da eletricidade de Porto Rico. “Passar a Costa Sul para o uso de gás natural não exigiria grandes modificações”, afirmou à IPS o geógrafo Alexis Dragoni. “Seria preciso apenas a substituição dos queimadores da instalação”. Dragoni é membro da equipe técnica da Casa Povo.
A reconversão da Costa Sul permitira à AEE empregar gás para gerar não menos do que 43% de sua eletricidade, sem necessidade de construir o gasoduto. Já há instalado um gasoduto a partir da EcoEléctrica para fornecer gás ao complexo Costa Sul, mas seu segmento final, de aproximadamente 50 metros, ainda não foi concluído. A chamada “via verde” será montada pela espanhola Gás Natural Fenosa, que comprou a EcoEléctrica da polêmica Enron, que tem sede nos Estados Unidos, em 2003.
Os líderes da Casa Povo são fortes defensores da energia solar. Todas as instalações da organização em Adjuntas funcionam com paineis fotovoltaicos desde 1999. As fontes renováveis respondem por uma pequena fração da energia de Porto Rico, que depende em sua maior parte dos recursos hídricos, e 21 represas geram 1,8% da eletricidade da ilha.
Outro projeto também criticado e o de energia eólica Santa Isabel, neste caso por produtores rurais, comunidades e grupos ambientalistas que criaram a Frente de Resistência Agrícola (FRA). Esta entidade trabalha para proteger a terra cultivável de ameaças como a exploração urbana e o projeto eólico, que implicaria a construção de 44 a 65 moinhos de vento pela Pattern Energy Corportion, com sede nos Estados Unidos, no coração das férteis planícies do sul de Porto Rico.
Espera-se que os moinhos gerem 75 megawatts, que a Pattern afirma serem capazes de fornecer energia elétrica a 25 mil residências. A construção do projeto eólico começou em novembro. “Já começaram a compactar o solo com máquinas pesadas. Já destruíram o sistema de irrigação por gotejamento e prejudicaram a camada superior do solo, que demora séculos para se formar. As melhores terras agrícolas escapam das mãos”, advertiu Karla Acosta, do FRA.
Segundo Warys Zayas, porta-voz dessa organização e estudante da Universidade de Porto Rico, “o projeto terá impacto em uma área entre 3.500 e 3.700 cordas (aproximadamente 1.400 hectares), incluindo não só as bases dos moinhos de vento, que já ocupam 21 cordas, mas também um raio de 1,6 quilômetro de cada uma”, explicou.
O FRA cita dados do Censo Agrícola dos Estados Unidos, indicando que Porto Rico já perdeu 19% de sua terra cultivável entre 2002 e 2007. Também apresenta estudos sobre segurança alimentar elaborados por Myrna Covas, professora da Universidade de Porto Rico, dizendo que a agricultura local produz não mais do que 15% dos alimentos consumidos pelos porto-riquenhos, sendo o restante importado.
Defensores da segurança alimentar estão alarmados com esses dados, considerando que com cerca de 350 habitantes por quilômetro quadrado, Porto Rico é uma das áreas mais densamente povoadas do mundo. Sua população praticamente duplicou nos últimos 40 anos, acrescentou à IPS o ambientalista Juan Rosario, da organização Missão Industrial.
Santa Isabel tem parte das principais terras agrícolas do país e uma produção de US$ 30 milhões ao ano, incluindo tomate, pimentão, melão, manga e cebola. Esta produção conta com cerca de três mil postos de trabalho na região, segundo o presidente da Associação de Agricultores, Ramón González. “Não podemos destruir as poucas terras que nos alimentam”, alertou, por sua vez, María Viggiano, porta-voz do FRA. “Sugerimos que os moinhos de vento sejam instalados em terras que já foram industrializadas e não têm valor agrícola”, acrescentou.
Quanto às fontes alternativas de energia, não há consenso entre especialistas locais e ativistas sobre o que poderia funcionar. O FRA não se opõe à energia eólica, desde que os projetos não estejam localizados em terras cultiváveis. Outros grupos preferem outras opções. “Nos opomos à energia eólica. O vento é um fonte de energia intermitente e imprevisível”, disse à IPS o ativista José Francisco Sáez Cintrón. “Apoiamos outras opções, como a energia solar, a hidrelétrica, a maremotriz e a térmica oceânica”, detalhou.
Sáez é porta-voz da Coalizão Pró-Floresta Seca, grupo que trabalha para a proteção da reserva florestal de Guánica, no sudoeste da ilha. A organização se opõe ao projeto de energia eólica pela sua proximidade com a floresta. “No entanto, o que é mais importante é educar sobre o consumo de energia. As energias renováveis podem acabar sendo nada mais que um complemento das fontes de combustível fóssil’, sugeriu.
“Implantando políticas para economizar energia podemos conseguir seis ou dez vezes a economia de custos da energia renovável”, apontou Luis Silvestre, da Sociedade Ornitológica de Porto Rico. “Necessitam muito menos investimento e não derivam em uma dívida. As energias renováveis não podem reduzir as tarifas públicas. Isto pode ser obtido com melhoria operacional nas empresas públicas, bem como em modificações na atual rede”, afirmou. Envolverde/IPS
* Este artigo é parte de uma série apoiada pela Rede de Conhecimento sobre Clima e Desenvolvimento.