Miami, Estados Unidos, julho/2012 – Ao longo de mais de quatro décadas de residência nos Estados Unidos, detectei a persistente instalação de modos políticos e, sobretudo, sociais norte-americanos em território europeu, especialmente o espanhol. Ainda recordo, não faz muito tempo, como me questionava sobre a proibição de fumar em lugares públicos, os impostos implacáveis e as eleições primárias – entre outras curiosidades dos Estados Unidos – chegarem à Espanha.
Demoraram, mas depois da música pop e do cinema de Hollywood, outros perfis norte-americanos estabeleceram cabeça-de-praia e ficaram. Inclusive, percebia-se a transformação da política para um presidencialismo muito à maneira de John F. Kennedy ou Richard Nixon, conforme o foco. Temia-se recentemente o surgimento do populismo que nos anos 1920 levou à catástrofe europeia. Muito parece ter ficado pelo caminho. A Europa não é a América.
Esta apreciação ficou demonstrada pelo ambiente e pelos resultados das eleições legislativas na Grécia e na França, em diferentes modalidades de segundo turno. Por um lado, é evidente a sobrevivência da variedade europeia nas inclinações de eleição dos líderes. Nada mais longe do opressor bipartidarismo que parecia instalado em alguns dos países europeus que precisamente agora são protagonistas ou vítimas da crise. Embora haja uma alternância clássica em alguns países (Reino Unido, Espanha, França, Portugal), o certo é que para governar são necessários sócios secundários, quando não coalizões insólitas.
Esta dimensão foi espetacularmente dramatizada pelo novo desafio grego para formar governo, à vista do triunfo parcial dos conservadores da Nova Democracia, da derrota histórica dos socialistas do veterano Pasok e do avanço insuficiente da extrema esquerda da Syriza, dirigida pelo carismático Alexis Tsipras.
O resultado é que a coalizão pela qual apostam tanto uma maioria de gregos como o resto do continente é a formada pelos conservadores (ajudados pelas 50 vagas a mais que o sistema eleitoral dá), que até há poucas semanas se opunham às medidas de austeridade, e os social-democratas, cuja única alternativa era se retirarem para os quartéis de inverno.
O mais escandaloso do favoritismo por esta coalizão de governo é que a evidência histórica demonstra que esses dois partidos são os principais culpados pela crise, pelas fraudulentas declarações sobre o estado de sua economia e pela corrupção generalizada na qual a Grécia se sentiu bastante cômoda durante décadas.
Se voltarmos o olhar para a França, a peculiaridade das eleições legislativas, imediatamente seguida das presidenciais, é o maciço ganho de poder do ressuscitado Partido Socialista, no qual ninguém apostava depois das desventuras de seu anteriormente candidato virtual Dominique Strauss-Kahn, que se autodestruiu por suas frivolidades sexuais, nunca convenientemente esclarecidas.
Se François Hollande chegou a dirigir o partido depois de ter superado vários competidores, entre eles sua ex-companheira Ségolène Royal, poucos apostavam em sua vitória, que chegou com a ajudinha das estridências de Nicolas Sarkozy e pelo magistral uso da oposição a Merkel e às suas medidas de austeridade. O certo é que Hollande conseguiu a vitória porque a França é uma sociedade basicamente “conservadora de esquerdas”, zelosa em sua maioria em se protegerem com as conquistas do estado de bem-estar e a sacralidade do Estado. Ou seja, o contrário dos norte-americanos, cujo ideal é um Estado reduzido.
O triunfo presidencial foi um trampolim para dupla vitória eleitoral, com a conquista da Assembleia Nacional, em parte pelo sistema de jurisdição majoritária, pelo qual somente os que conseguem melhores colocações passam para um segundo turno.
Curiosamente, esse sistema foi a razão da insólita derrota de duas senhoras emblemáticas nos últimos tempos da política francesa. Uma é Marine Le Pen, a sucessora de seu temível pai na direita racista. A outra é exatamente a ex-companheira de Hollande, Ségolène, mãe de seus quatro filhos.
Agora, a primeira-dama francesa, a jornalista Valérie Trierweiler, se lançou arriscadamente com uma mensagem digital de apoio ao opositor de Royal, o trânsfuga Olivier Falorni, na vaga de La Rochelle. Falorni venceu e ganhou a vaga que teria garantido a Royal nada menos do que a presidência da Assembleia Nacional, a joia da coroa para qualquer político francês. Ignoram-se as consequências futuras deste episódio, mas à vista da curiosidade social da política quanto às relações pessoais, nada haverá de surpreendente que tudo continue igual, em contraste com os costumes norte-americanos, onde incidentes como este gerariam uma virada política.
Finalmente, o setor mais derrotado destes exercícios foi o sentimento antieuropeu e contrário à unidade europeia. Não somente a moeda comum está saindo reforçada, como a atenção para estas duas eleições não foi apenas continental, pois ultrapassou as fronteiras da União Europeia. Se falou mais da Europa do que da Grécia e da França. Pela primeira vez especulou-se no campo eleitoral sobre Europa e União Europeia. E isso é bom para todos, inclusive para os Estados Unidos. Envolverde/IPS
* Joaquín Roy é catedrático Jean Monnet e diretor do Centro da União Europeia da Universidade de Miami ([email protected]).