Dentes, gengivas e mandíbulas sofrem com a alimentação moderna. A espécie humana passou de dietas que continham sementes duras, tubérculos, frutas e carne, para outra com alimentos processados, açúcar e refrigerantes, muito menos saudável para a cavidade oral. Esse desencontro entre a adaptação e o ambiente é responsável por cáries, doenças gengivais e distúrbios ortodônticos.
Seres humanos não são os únicos a ter dor de dente. Traumas, displasias, cáries, artrites, gengivas inflamadas e cistos são encontrados em todos os primatas e em outros animais, mas costumam ocorrer nas últimas décadas da vida. Da mesma forma, cáries e doença periodôntica eram problemas que afligiam mulheres e homens mais velhos. Fósseis humanos revelam que a prevalência de cáries até 20 mil anos atrás era inferior a 2%. Doenças das gengivas e má oclusão das arcadas dentárias também eram raras na pré-história.
Nossos percalços começaram há 13 mil anos, quando surgiu a agricultura. Cerca de 9% dos neolíticos, os primeiros agricultores, já apresentavam cáries, resultado de uma alimentação mais rica em carboidratos. Curiosamente, os esqueletos escavados em Amarna, no Egito, que viveram entre 1350 e 1330 a.C., mostravam dentição de boa qualidade até envelhecerem. Embora ingerissem mais carboidratos na forma de pães rústicos, suas dietas incluíam sementes e fibras que ajudavam o desenvolvimento da mandíbula.
A mastigação estimula o crescimento da parte alveolar do osso (camada que circunda as raízes dos dentes), tornando o maxilar inferior mais forte e mais longo, e permitindo que as superfícies dos quatro incisivos superiores se encontrem com as dos inferiores, durante a mastigação. Como os alimentos mais tenros de hoje impedem que a mandíbula atinja o desenvolvimento pleno, os incisivos inferiores ficam mais retraídos em relação aos superiores, causando dificuldades na mordida.
Menos de 10% dos europeus apresentavam dentes cariados até Alexandre, o Grande trazer o açúcar no Século 4 a.C. A partir de então, as cáries se disseminaram pela Grécia, por Roma e pela Idade Média, mas o pico de incidência aconteceu entre 1800 e 1850, quando os ingleses começaram a importar açúcar em quantidades maiores. O açúcar alimentou a Revolução Industrial, que marcou a transição da agricultura para a economia centrada nas máquinas.
Na metade do Século 20, entre 50% e 70% dos habitantes dos Estados Unidos e da Europa desenvolvida tinham dentes cariados, situação que só melhorou com a fluoretação da água. No fim desse mesmo século, dentes superpostos, encavalados, e má oclusão da mandíbula, alterações anatômicas que exigem correção ortodôntica se tornaram muito mais frequentes.
Pela primeira vez nos últimos 40 anos, o número de cáries entre os norte-americanos de dois a cinco anos voltou a aumentar, fenômeno que os dentistas atribuem ao consumo de salgadinhos e refrigerantes. O mecanismo pelo qual o açúcar refinado danifica a dentição é bem conhecido: ele altera o pH ideal da boca (que é de 5,4), tornando a saliva mais ácida. Essa acidez se soma à dos ácidos produzidos na placa bacteriana, dissolvendo os minerais do esmalte dentário e facilitando as cáries.
A ingestão de açúcar afeta ainda o equilíbrio ecológico entre as bactérias que vivem na boca, como os Streptococcus formadores de comunidades complexas que, banhadas pela saliva e infiltradas por células do sistema imunológico, formam as placas dentárias. Quanto mais açúcar na dieta, mais bactérias formadoras de placa, mais agressivo é o ataque de células imunologicamente ativas, mais exuberante o processo inflamatório que se instala nas gengivas. Infecções gengivais têm sido associadas a patologias sistêmicas como diabetes e doença cardiovascular.
Embora os especialistas divirjam a respeito das medidas para construir mandíbulas mais fortes e dentição de melhor qualidade, num ponto todos estão de acordo: nossos dentes não estavam preparados para tanto açúcar, doces e refrigerantes.
* Drauzio Varela é médico oncologista, cientista e escritor brasileiro, formado pela Universidade de São Paulo.
** Publicado originalmente no site Carta Capital.