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A falsa batalha dos emergentes

Rio de Janeiro, Brasil, 29/6/2011 – A equação para escolher o diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), cargo que acabou ficando com Christine Lagarde, foi armada segundo o gosto dos que reclamam mudança nessa instituição, para dar lugar a novos protagonistas da economia mundial. Mas, nada é como parece.

Christine Lagarde.

A disputa que terminou ontem colocou frente a frente um expoente do Norte industrial, a por fim vencedora Lagarde, ministra das Finanças da França, e um suposto representante do Sul, o governador do Banco do México, Agustín Carstens. Entretanto, a competição entre ambos serviu apenas para deixar mais claro que são outras as questões de fundo.

A candidatura mexicana não entusiasmou outros Estados em desenvolvimento. Seu perfil conservador, bem como o de outros que se anunciaram como pré-candidatos de países emergentes, afastou um possível apoio brasileiro, cujo governo reclamava um processo aberto para a eleição, levando em conta o “mérito” e não a nacionalidade como critério.

“É difícil imaginar o critério geográfico como relevante”, especialmente quando o representante supostamente do Sul não gerava “nenhuma confiança de que seria sensível a demandas de emergentes ou em desenvolvimento”, afirmou à IPS o economista Fernando Cardim de Carvalho, professor aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Lagarde, por sua vez, parece mais inclinada a dar continuidade ao trabalho de seu antecessor, Dominique Strauss-Kahn, que “recuperou o prestígio político do FMI”, mas não promoveu significativas reformas em suas políticas nem em seus mecanismos de tomada de decisões, acrescentou.

A gestão de Strauss-Kahn, também francês – que renunciou em maio, depois de ser preso em Nova York acusado de agressão sexual a uma camareira do hotel onde se hospedava –, foi bem vista dentro do governo brasileiro, devido à sua abertura a mudanças em favor de maior peso do mundo em desenvolvimento no FMI. O esperado apoio de Washington, principal contribuinte do Fundo, e o já conhecido da União Europeia, finalmente colocaram pela primeira vez uma mulher à frente do principal organismo financeiro multilateral nascido ao final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Dessa forma, cumpriu-se o antigo acordo entre Europa e Estados Unidos de divisão do poder que dispõem para dirigir, respectivamente, FMI e Banco Mundial. Lagarde, advogada de 55 anos, foi eleita ontem como a 11ª diretora-gerente do Fundo, cargo que assumirá no dia 5, por cinco anos, com apoio também de Brasil, Rússia e China.

Brasília acabou votando em Lagarde, como já insinuara o ministro da Fazenda, Guido Mantega, ao declarar aos jornalistas, há alguns dias, que a preferência era por quem se comprometesse com as reformas iniciadas por Strauss-Kahn. De todo modo, o apoio ou a rejeição das economias emergentes não incidiam na eleição. Cada um dos 24 membros do Conselho do FMI elege em nome do grupo de países que representa, mas seus votos têm o peso proporcional às cotas de capital que estes Estados colocam na instituição. Aos Estados Unidos correspondem 17% e à Europa 29%, uma proporção muito maior do que sua participação atual na economia mundial.

Assim, a eleição da diretora-gerente parece “viciada”, porque os países ricos concentram a maioria dos votos, queixou-se, em entrevistas concedidas nos últimos dias a jornais brasileiros, Paulo Nogueira Batista Júnior, que representa o Brasil e outros oito países latino-americanos e caribenhos no FMI. No entanto, quem ocupa o cargo de diretor-gerente exerce “um poder relativamente limitado”, já que “a última palavra é dos que financiam o FMI”. Os que têm maiores cotas são os países ricos e, portanto, são os que acumulam folgadamente a maioria dos votos nas decisões, explicou Cardim. Além disso, o Fundo, embora seja “um fórum politicamente importante”, não influi nos problemas globais que afetam profundamente a economia mundial, cujos responsáveis são as políticas dos Estados Unidos que alteram as cotações do dólar, ou da China.

Seu poder se limita “aos países que lhe devem dinheiro” e tem seu exemplo no caso da Grécia e de outros Estados periféricos e em crise, onde “as exigências mais duras partem do Banco Central Europeu e da Comissão Europeia”, usando as do FMI como tela de fundo, afrimou o economista Fernando Cardim. Em sua opinião, o FMI contribuiria para um sistema monetário internacional mais estável se voltasse à “sua missão original, de facilitar ajustes de curto prazo na balança de pagamentos” das nações em dificuldades, exigindo delas como condições apenas “o compromisso de adotar políticas econômicas que aumentem a probabilidade” de pagamento de seus empréstimos.

Contudo, a partir da década de 1980, quando surgiu a crise da dívida externa de muitos países em desenvolvimento, passou a “extrapolar suas funções”, com as potências credores tentando, por seu intermédio, “impor aos devedores estratégias de desenvolvimento desenhadas de acordo com os interesses de países desenvolvidos”, criticou Cardim. Diante desta errática trejatória, é necessário que haja mudanças no processo decisório, ampliando o peso das nações em desenvolvimento, para sustentar a legitimidade do FMI perante as pressões, principalmente as mencionadas nações emergentes. A China, por exemplo, está limitada a um insustentável 6% dos votos, embora seja a segunda maior economia do mundo.

Além de democratizar o poder dentro do FMI, será necessário diversificar o pensamento e a composição de outros setores da instituição, como a administração em geral, chefias de departamentos e corpo técnico, disse Batista Júnior. Envolverde/IPS