Arcata, Califórnia, Estados Unidos, agosto/2011 – Nove mil pés abaixo da superfície de 34 Estados norte-americanos se encontram vastos depósitos de xisto impregnados de gás natural. Ao contrário dos reservatórios concentrados de eras anteriores, a maior parte já esvaziada, este gás está preso entre as gretas do próprio xisto, e só pode ser extraído mediante um controvertido processo recentemente desenvolvido por especialistas dos Estados Unidos chamado “fratura hidráulica”, ou “fracking”.
Neste processo, injeta-se água e produtos químicos tóxicos a duas milhas de profundidade e a outra milha em todas as direções para quebrar a rocha de xisto e libera o gás.
O fracking está sendo promovido pelas indústrias de gás e petróleo e por seus aliados no Congresso como principal “combustível-ponte” entre uma perigosa dependência do petróleo estrangeiro e uma era pós-petróleo de fontes renováveis de energia, como a eólica e a solar.
Entretanto, para os céticos, esta é a última tática dilatória da indústria petrolífera no contínuo adiamento de uma essencial transição para uma energia eficiente e uma sociedade livre do contaminante carbono.
“O potencial do gás natural é enorme”, disse o presidente Barack Obama ao apresentá-lo como elemento central de sua política energética. Nos três anos transcorridos desde sua aplicação industrial, a produção de gás baseada em fracking nos Estados Unidos chegou a meio milhão de barris por dia, e se prevê que chegará a três milhões em 2020.
A febre do gás, que começou nos Estados Unidos, se espalhou rapidamente para o resto do mundo, particularmente para jazidas de gás ou petróleo profundamente enterradas no Canadá, Austrália, Venezuela, Rússia, Ucrânia, Polônia, França, Índia, China, África do Norte e Oriente Médio. Em conjunto, estas descobertas poderiam mudar o panorama energético mundial ao fazer de países como Austrália e Canadá novas Arábia Saudita.
Devido à potente série de promotores desta fonte de energia, até há pouco tempo as vozes céticas tinham dificuldades para se fazerem ouvir. Porém, na medida em que o fracking afeta gravemente o solo em algumas regiões, as informações sobre contaminação da água, as enganosas práticas de contratação e outros abusos começaram a ganhar terreno.
Em recente visita ao nordeste da Pensilvânia e à parte sul do Estado de Nova York, este jornalista ouviu as queixas dos moradores de uma região na qual uma dezena de vizinhos de um lugar onde são realizadas operações de fracking encontrou uma extrema contaminação de gás metano na água que lhes é fornecida. Um deles, inclusive, viu, após um fogaréu, seu poço de água arder em chamas devido a uma explosão de gás.
Casos semelhantes ocorrem ao redor do mundo. Um filme intitulado “Gasland”, que apresenta testemunhos gravados nos Estados Unidos sobre os perturbadores danos causados pelo fracking, recebeu uma indicação como candidato a prêmio da Academia de Cinema de Hollywood. Em uma série de crônicas, o New York Times apresentou sérias dúvidas sobre a segurança e os perigos do fracking para o meio ambiente. A França se converteu no primeiro país a proibir essa técnica, enquanto o Reino Unido examina a adoção de medida semelhante.
As preocupações sobre o auge do fracking giram em torno de vários pontos importantes:
– Para extrair o gás preso nas gretas de xisto devem ser injetados muitos milhões de litros de água nos milhares de mananciais, frequentemente em regiões áridas. Uma vez misturada com produtos químicos, a maior parte dessa água é irrecuperável. Embora o gás natural queime de maneira mais limpa no cano de escapamento, o processo de extração libera gás metano na atmosfera e no lençol freático. O vazamento ambiental de um gás-estufa mais potente do que o carbono, como é o metano, pode agravar ainda mais o problema da mudança climática;
– A rápida extração de recursos naturais costuma ocasionar grandes altos e baixos econômicos que em sua passagem dizimam o tecido social das comunidades e prejudicam a paisagem. Em regiões e culturas com tradições profundamente arraigadas e desacostumadas a tais incursões, os efeitos são frequentemente devastadores e duradouros;
– A indústria do petróleo e seus aliados foram hábeis ao desviarem as pressões para exigir eficiência energética e conservação. Desacreditaram a ciência do clima e asseguram que trabalham a favor de um futuro sustentável, sem dar um só passo concreto.
Para as comunidades e os países maltratados por recessão, desemprego e crescentes custos da energia, a perspectiva de uma febre do gás parece caída do céu. Contudo, na pressa para desenvolver este recurso com métodos novos e mais perigosos, estamos criando mais problemas sem enfrentarmos nosso desafio central, o de aprender a viver usando menos energia em todas as suas formas. Essa transição não é tanto uma questão tecnológica quanto uma mudança cultural. É um desafio mais simples, mas, ao mesmo tempo, mais duro. Estaremos em condições de enfrentá-lo? Envolverde/IPS
* Mark Sommer é jornalista e colunista norte-americano, e dirige o programa internacional de rádio A World of Possibilities (www.aworldofpossibilities.com).