Vivemos novos tempos, novos desafios, em que somos convocados a ser agentes ativos no processo da mudança para a sustentabilidade.
Entre estes desafios está o de ter e manter a chama acesa da esperança. Veja por exemplo o processo que ocorre quando colocamos uma água para ferver. O aquecimento começa gradual até que a fervura apareça ao atingir os 100ºC. A fervura é apenas a parte visível de um processo que passou antes por diversos outros graus de temperatura. Se colocarmos pouca água, ferve mais rápido, se for muita, o processo demora mais tempo. A sustentabilidade é um processo com muita água, pois requer mais que apenas mudar tecnologias, requer mudar visões de mundo. O fogo da esperança necessário para produzir uma mudança assim, vai requerer uma chama acesa por muito e muito tempo. E o principal combustível é a esperança, que nos dá a motivação para transformar sonhos em ações, a paciência para persistir mesmo diante de resultados não tão visíveis! E a esperança se alimenta das boas notícias, de saber que muitos estão lutando e participando para construir esta nova possibilidade de futuro, por que o atual caminho escolhido só nos conduzirá ao colapso social, ambiental, ético, moral e civilizatório.
Os mais pessimistas, podem achar que a temperatura subiu pouco, os mais otimistas, que já subiu muito. Mas sob qualquer ângulo que se olhe, ainda vai faltar muito para a fervura se tornar visível, embora já estejamos vendo alguns sinais numas bolhas aqui e ali. E aí, como acontece com a água, quando menos se espera a ebulição irrompe na superfície quase instanteamente por todo o lugar.
A boa notícia é que o processo de mudança para a sustentabilidade já está em andamento, a chama ja está acessa nas milhares de pequenas ações, projetos, resultados, aquecendo essa fervura. Cada novo projeto que se inicia e que toma o rumo da sustentabilidade, cada nova pessoa que toma consciência da importância da sustentabilidade, ou que renova suas esperanças nela, a temperatura aumenta.
Talvez não seja ainda para a nossa geração ver a fervura, mas sem nossas ações, sem nossos sonhos, o processo de mudança seria ainda mais lento.
O que pode enfraquecer a chama – e até mesmo apagá-la – são os corruptos, os folgados, os indiferentes, os cruéis, os mal-educados, os maus cidadãos, os maus políticos, os violentos, os gananciosos, os egoístas, os vigaristas. Eles já nos tiram tanto ao tornarem este mundo pior do que poderia ser que, se não formos capazes de – enquanto nos defendemos deles –, conservarmos a esperança, o amor, a bondade em nós, então a sustentabilidade poderá ser apenas mais uma boa ideia que não deu certo.
A pior perda que podemos sofrer não é a de um bem material, ou uma cicatriz no corpo físico, mas é quando deixamos de acreditar no próximo, no amor, que um mundo melhor seja possível, que mudar vai valer a pena, e aí o cinismo, a indiferença, a descrença, a falta de gentileza toma o lugar da esperança. E em momentos assim, corremos o risco de nos tornar como os maus, pois ao tentar nos proteger do mundo, proteger nossa vulnerabilidade, podemos construir muros em torno de nós em vez de pontes, muros de desencanto, ressentimento, amargura, culpa por não tentar.
As novas gerações que começam em cada criança que nasce e cresce sob nossas responsabilidades é uma espécie de grito de socorro da vida pelo nosso bom senso e comprometimento. As crianças confiam em nós, incondicionalmente, e falhar com elas não deveria ser uma opção válida para nós. Se alguns maus adultos podem estar irremediavelmente comprometidos com a insustentabilidade e inventam desculpas para não mudar, as crianças e jovens são um ‘vir a ser’ e dependem de nós, adultos responsáveis e comprometidos com a mudanca para um mundo melhor, que as envolva, sensibilize, estimule a encontrar respostas e jeitos de mudar em vez de desculpas para desistir. Nosso futuro enquanto humanidade depende de que esta nova geração seja capaz de fazer escolhas melhores, diferentes das que conduziram a humanidade à beira deste colapso que não é só ambiental, mas principalmente moral, ético e civilizatório. Trata-se de um enorme desafio que muitos de nós já está enfrentando, mas não é fácil, pois tudo à nossa volta conspira para que as novas gerações se tornem consumidoras vorazes antes de se tornarem cidadãos conscientes. Se deixarmos que os maus nos tirem a esperança, estaremos também falhando na tarefa de educar filhos melhores para um mundo melhor. E então teremos deixado que os maus nos derrotassem completamente.
* Vilmar Sidnei Demamam Berna é escritor e jornalista, fundou a Rebia (Rede Brasileira de Informação Ambiental) e edita, deste janeiro de 1996, a Revista do Meio Ambiente (que substituiu o Jornal do Meio Ambiente) e o Portal do Meio Ambiente. Em 1999, recebeu no Japão o Prêmio Global 500 do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e, em 2003, o Prêmio Verde das Américas.