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A flotilha que não navega

Logotipo da segunda Flotilha da Liberdade.

Tel Aviv, Israel, 5/7/2011 – A decisão da Grécia de impedir a partida de uma flotilha carregada de ativistas que se dirigiam a Gaza foi a última de uma série de medidas que destacam uma aliança de Estados contra a frente de organizações não governamentais internacionais. “Conforme uma decisão do ministro de Proteção Cidadã, Christos Papoutsis, foi proibida a saída de navios com bandeiras grega e estrangeiras de portos gregos para a área marítima de Gaza”, dizia o anúncio divulgado no dia 1º pela embaixada da Grécia em Israel.

No mês passado, o ministro dos Transportes de Chipre havia divulgado um comunicado semelhante. E, antes, a “conselho” da Turquia, a Fundação de Alívio Humanitária cancelou sua participação no Mavi Marmara, barco de bandeira turca que liderava a primeira Flotilha da Liberdade, quando comandos israelenses o atacaram na madrugada de 31 de maio de 2010.

Pouco mais de um ano depois desse ataque, no qual morreram nove ativistas, oito deles turcos, desatando protestos internacionais e piorando as relações entre Turquia e Israel, a segunda Flotilha da Liberdade – “Continuamos Sendo Humanos” previa dirigir-se a Gaza para, novamente, tentar romper o bloqueio imposto por Israel em 2006.

Tudo isto parece que teve um efeito dissuasivo sobre os países geograficamente próximos do Estado judeu. “A Grécia de julho de 2011 não é a Grécia de maio de 2010 no tocante a Israel”, disse um alto funcionário israelense que participou da tentativa de impedir a segunda Flotilha. “Os organizações não compreenderam isto, e agora pagam o preço”, acrescentou.

Meia hora depois que o barco norte-americano Audacity of Hope (Audácia da Esperança) ter zarpado, no dia 1º, do porto grego de Perama sem autorização, tentando chegar a Gaza, foi interceptado por comandos das Autoridades da Guarda Costeira Helênica. “Nos obrigaram a voltar para um porto grego cercado por grades e arame farpado”, dizia uma mensagem publicada no Twitter por USBoatToGaza.

Hagit Borer, uma cidadã israelense-norte-americana, relatou o episódio ao portal israelense de notícias Ynet: “Os comandos chegaram com metralhadoras. Foi bastante assustador. Pareciam prontos para o combate, se mostravam ameaçadores. Usavam capacetes e tinham o rosto coberto”, disse. Outro ativista lamentou no mesmo portal: “É muito triste que os gregos estejam fazendo o trabalho sujo de Israel não nos deixando navegar. Eu não sabia que o Mediterrâneo é propriedade de Israel”.

A Flotilha passou de tentar romper o sítio contra Gaza para tentar romper o sítio contra ela própria, embora em vão. No dia 30 de junho, enquanto estava atracado na Turquia, o navio irlandês M. V. Saoirse foi obrigado a desistir por ter sofrido avarias. No começo da semana passada, o barco sueco-grego Juliano sofreu danos quando se encontrava no porto de Piraeus. Segundo os organizadores da Flotilha, nos dois caos houve sabotagem.

“Infere-se que os sabotadores eram israelenses”, acusou o porta-voz do navio irlandês, Raymond Deane. O Ministério das Relações Exteriores de Israel demorou dois dias para negar a acusação. “Por que os organizações da Flotilha não se queixam à polícia?”, perguntou o porta-voz do Ministério, Yigal Palmor.

O jornal turco Hurriyet informou que, segundo “diplomatas turcos”, a embarcação irlandesa já estava avariada “antes de entrar em águas turcas” e que, segundo uma investigação inicial, os danos “poderiam não ser resultado de sabotagem”. Inclusive o vice-porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, Mark Toner, no dia 30 de junho, que os Estados Unidos não tiveram nenhuma “confirmação independente” de sabotagem contra os navios. Dos cerca de mil ativistas que viajavam em 15 embarcações, ficaram poucas centenas a bordo de nove barcos operacionais.

No mesmo dia, na cerimônia de formação de cadetes da força aérea israelense, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, já parecia saber que, provavelmente, o empreendimento da Flotilha afundaria. Ao expressar a gratidão de seu país aos líderes mundiais, fez uma menção especial ao seu colega e “bom amigo”, o primeiro-ministro grego, George Papandreou.

Pela primeira vez em muito tempo, segundo alguns funcionários israelenses, desta vez cabe ao Estado judeu desfrutar de certa solidariedade e legitimidade internacionais, embora não necessariamente do tipo da determinada pela opinião pública mundial. Ironicamente, o catalisador deste revés foi provocado pela ampla solidariedade internacional que conseguiu o movimento de ativistas contra as políticas de Israel na Palestina, acrescentam.

Em certo sentido, a Flotilha não passa de um prelúdio da verdadeira batalha pela legitimidade que atualmente travam Israel e Palestina. Os dois povos e a comunidade internacional lidam com as complicações de fazer a paz e criar um Estado palestino, cuja aprovação pode ser conseguida em setembro na Organização das Nações Unidas. Envolverde/IPS