Washington, Estados Unidos, 4/8/2011 – As dificuldades de acesso a várias zonas do Chifre da África, onde 12,4 milhões de pessoas correm o risco de morrer de fome, impedem que a situação seja amenizada e agravam a crise, alertaram funcionários dos Estados Unidos e de agências de ajuda internacionais. “Não víamos uma crise humanitária tão grave em uma geração”, afirmou Reuben Brigety, vice-secretário assistente do Escritório de População, Refugiados e Migrações no Departamento de Estado norte-americano. Brigety participou do seminário “Fome na Somália: uma mudança prevista para pior”, organizado no dia 1º em Washington pela Brookings Institution.
“É uma situação sem paralelo”, afirmou, por sua vez, Semhar Araua, conselheiro sobre políticas regionais para o Chifre da África da organização Oxfam Internacional. “Neste caso se trata da capacidade da população para enfrentar a situação, e as pessoas nessa região foram capazes de resistir dia e noite por anos, em meio a conflitos e insegurança, e neste momento vemos que já não podem sobreviver, não podem obter os alimentos básicos”, ressaltou.
A Somália é o país mais afetado pela seca no Chifre da África, e a situação se agravará ainda mais quando chegarem os meses que tradicionalmente marcam a temporada de secas, alertou o Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários, da Organização das Nações Unidas (ONU).
Além de a ajuda da comunidade internacional em geral demorar, as áreas mais afetadas na Somália estão desamparadas devido às dificuldades de acesso, afirmou o diretor do Escritório de Relações com os Estados Unidos do Programa Mundial de Alimentos (PMA), Allan Jury. “Temos desafios de financiamento, mas diria que os desafios que têm a ver com o acesso são muito maiores”, disse Jury, referindo-se em particular ao sul da Somália, onde sua agência não consegue operar desde janeiro de 2010.
A dificuldade de acesso é o motivo pelo qual a Etiópia tem uma crise que se expande, mas é manejável, enquanto na Somália já existe fome, afirmou Jury. “Não são crises acidentais, e foram provocadas pelo homem, já que as estatísticas de chuvas nos dois lados da fronteira são muito semelhantes”, ressaltou. Entretanto, a seca, por mais aterradora que seja, não é o único problema que sofrem as cerca de dois milhões de pessoas no sul somaliano, controlado por insurgentes vinculados à rede radical islâmica Al Qaeda.
“Temos uma situação na Somália que é realmente arrepiante. É a crise mais séria que vemos há muito tempo. A questão-chave é que este país provavelmente seja o mais perigoso em que operamos”, afirmou Jury. No dia 28 de julho, depois que a ONU anunciou que a situação em duas regiões somalianas tinham se deteriorado e se transformado em fome, os Estados Unidos prometeram US$ 28 milhões em assistência. No entanto, há poucas esperanças de que a ajuda chegue aos afetados, porque as áreas estão controladas pelo grupo extremista islâmico Al Shabab. Washington impôs limitações ao uso de suas doações seguindo suas políticas de segurança e antiterrorismo.
“Estamos comprometidos com os esforços para salvar a vida dos somalianos, e já estamos trabalhando em áreas não controladas pelo Al Shabab”, assegurou Donald Steinberg, vice-administrador da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid), ao participar há alguns dias de uma conferência em Londres. “Lamentavelmente, cerca de 60% das pessoas afetadas estão nos territórios do Al Shabab. Instruímos o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e o PMA para que utilizem nossa ajuda em qualquer parte que não esteja sob controle” dos radicais islâmicos, acrescentou.
Os Estados Unidos foram acusados de politizar os esforços humanitários, mas também é certo que esse país não teria muitas opções se mudasse de estratégia: o Al Shabab proibiu todas as organizações e agências, incluindo o PMA, de trabalharem nas regiões que controla, onde nega que exista fome. “A expulsão do PMA do sul da Somália ocorreu em janeiro de 2010 por exigência do Al Shabab e grupos relacionados, e não por nenhuma restrição do governo norte-americano”, destacou Jury. O funcionário informou que o PMA fez um acordo com Washington para lançar programas de assistência em várias outras regiões somalianas que não estavam explicitamente proibidas pelo Al Shabab.
“Os Estados Unidos mostraram-se inclinados a serem mais flexíveis na expansão das áreas geográficas onde o PMA pode usar a ajuda”, acrescentou. “Entendemos que nosso maior desafio é conseguir acesso às áreas do Al Shabab, e não as restrições impostas pelos doadores”, disse Jury. Por sua parte, Brigety destacou que Washington não estava antepondo seus interesses de segurança. “Temos de buscar formas inovadoras de nos envolvermos com todos os atores no terreno de forma a garantir o acesso”, afirmou. “Estamos conscientes da necessidade de participar do diálogo, e podemos garantir que encaramos esses temas de uma forma que reconhece a gravidade da situação”, ressaltou. Envolverde/IPS