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“A fome terá terminado, mas ainda temos fome”

Quase 400 mil vítimas da fome que fugiram de Mogadíscio ainda vivem em acampamentos de refugiados. Foto: Abdurrahman Warsameh

 

Mogadíscio, Somália, 23/7/2012 – Miriam Jama, de um ano de idade, nasceu quando foi declarada a fome na Somália, e não conhece outra vida que não seja a do acampamento de refugiados de Badbaado, a dez quilômetros da capital. Fraca e visivelmente desnutrida, como o resto de sua família, tem apenas o suficiente para comer. E como quase todas as 400 mil vítimas da fome que fugiram para a cidade em busca de ajuda no momento mais crítico da crise, Miriam, seus pais e quatro irmãos ainda vivem em um dos muitos acampamentos para refugiados nos arredores de Mogadíscio.

Aqui sobrevivem na miséria, em uma pequena cabana de apenas dois metros quadrados. “Temos apenas o suficiente para continuarmos vivos. A fome pode ter terminado, mas nós continuamos passando fome”, disse à IPS a mãe de Miriam, Hawa Jama. Esta mulher contou que sua família recebe por mês apenas 25 quilos de grãos, outros 25 de farinha e dez litros de óleo. Suficiente apenas para alimentar sua família de sete pessoas. Mas eles não são os únicos com fome.

No dia 20, completou um ano desde que o Programa Mundial de Alimentos (PMA) declarou a fome na Somália, e centenas de milhares de refugiados em acampamentos fora da capital ainda sofrem fome e vivem no desespero. A fome neste país foi provocada por uma seca que afetou todo o Chifre da África, considerada a pior em 60 anos, e agravada pela carestia dos alimentos e instabilidade na região.

O PMA informou, no dia 18, que, embora já não haja fome extrema na Somália e as taxas de desnutrição tenham melhorado consideravelmente desde o ano passado, a situação continua sendo frágil, e alertou que os avanços podem ser revertidos se a ajuda não for mantida. O escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados informou, no mesmo dia, que o número de refugiados somalianos passava de um milhão.

Apenas o complexo de refugiados de Dadaab, no Quênia, abriga 570 mil pessoas, enquanto outros 3,8 milhões na Somália continuam em crise e precisam de assistência urgente, e aproximadamente 325 mil crianças apresentam desnutrição aguda. A vida nos acampamentos é difícil. Os refugiados acusam os administradores de roubarem alimentos e de favoritismo na hora da distribuição.

“Não gosto de me queixar, mas este é um assunto de vida ou morte para nós. Os responsáveis por administrar nosso acampamento não nos dão toda a ajuda e favorecem outros”, afirmou Mumino Ali, mãe de sete filhos e moradora do acampamento de Savidka. “Contamos isso a todos os funcionários estrangeiros que vêm nos visitar, mas nada fazem”, denunciou à IPS.

A água e o saneamento também são de má qualidade nos acampamentos, e os banheiros são inadequados. A água trazida em caminhões não atende aos requisitos internacionais quanto a qualidade e quantidade, contou Mohamed Ali, ativista local pelos direitos humanos. “Creio que o que conseguimos desde que a fome extrema foi declarada, em julho do ano passado, é que não morram mais pessoas. Mas a fome ainda existe, e não há programas sistemáticos para ajudar os refugiados a se manterem por si mesmos ou serem repatriados”, destacou.

A situação alimentar agravou-se depois que as agências internacionais reduziram suas operações, uma vez que a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou o fim da fome extrema em fevereiro. Por outro lado, a Agência de Administração de Desastres do governo somaliano, criada especialmente para enfrentar a fome, foi declarada não efetiva e corrupta.

“A agência não foi efetiva em seu trabalho e é uma das que falharam com as pessoas necessitadas. A corrupção se espalhou em todas as ordens do governo e esta agência tem a sua parte de culpa”, ressaltou à IPS um trabalhador local que não quis se identificar. Ele acrescentou que há várias “camadas de corrupção”, desde as agências internacionais, passando por seus sócios locais e funcionários de governo, até os que administram os acampamentos, desta forma perpetuando o ciclo da fome.

Para sobreviver, muitos refugiados buscam trabalhos esporádicos, mas o desemprego já é alto, inclusive entre a população geral de Mogadíscio, onde 20 anos de guerra deixaram a economia em ruínas. Muitas crianças percorrem as ruas oferecendo serviços de engraxate ou limpador de para-brisa, procurando conseguir algum dinheiro para ajudar suas famílias.

O marido de Jama é um dos muitos que foram à capital em busca de algum emprego, embora ali não conheça ninguém e haja poucas possibilidades. O casal, ex-agricultores de subsistência na região de Shabelle Media, ao norte de Mogadíscio, disse preferir que as agências os ajudassem a conseguir uma forma sustentável de ganhar dinheiro em lugar de apenas lhes dar alimentos. “Não quero depender das entregas das agências de ajuda, que nunca são suficientes aqui. Mas ficaria feliz se recebesse apoio para trabalhar e manter minha família e voltar para minha aldeia”, enfatizou Jama, segurando Miriam nos braços. Envolverde/IPS