Localizado no extremo oeste de São Paulo, na tríplice divisa entre os Estados do Paraná e Mato Grosso do Sul, o Pontal do Paranapanema está no vértice dos rios Paraná e Paranapanema. É uma região com cerca de 12 mil quilômetros quadrados que integra o território de 21 municípios. E é sobre esta região que o jornalista e ambientalista Djalma Weffort fala na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line. Para ele, “o confuso quadro econômico, social e ambiental, ainda reinante nos dias de hoje, estende ainda mais os riscos aos remanescentes florestais da região”. E constata: “a fragmentação dos ecossistemas é o grande desafio para nós que aqui trabalhamos com conservação”. Como presidente da ONG Apoena, Djalma e seus parceiros regionais querem “encontrar mecanismos de mitigação dos efeitos da fragmentação sobre a biodiversidade e propor a conciliação da dinâmica ambiental com as atividades humanas, geração de renda e melhoria da qualidade de vida das comunidades locais”.
Djalma Weffort é presidente da ONG Apoena (Associação em Defesa do Rio Paraná, Afluentes e Mata Ciliar), com sede em Presidente Epitácio, Estado de São Paulo.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Onde fica o Pontal de Paranapanema?
Djalma Weffort – O Pontal está localizado no extremo oeste de São Paulo, na tríplice divisa entre os Estados do Paraná e Mato Grosso do Sul. Está no vértice dos rios Paraná e Paranapanema. É uma região com cerca de 12 mil quilômetros quadrados que integra o território de 21 municípios.
IHU On-Line – Qual a atual situação ambiental da reserva do Pontal do Paranapanema?
Djalma Weffort – No início da década de 1940, quando a região aparecia como “sertão desconhecido” nos mapas geográficos de São Paulo, o governo do Estado criou três reservas florestais com a finalidade de “conservação da flora e fauna estaduais e para futuro estabelecimento de florestas protetoras, remanescentes e modelo”: a Grande Reserva do Pontal, ou Reserva dos Índios Caiuá, com 246.840 hectares, a Reserva Florestal da Lagoa São Paulo, com 13.049 hectares, e a Reserva Florestal do Morro do Diabo, com 33.845 hectares, totalizando 293.735 hectares. Das três “reservas do pontal”, como eram conhecidas, só restou inteiro o Morro do Diabo, hoje Parque Estadual. A Lagoa São Paulo perdeu 85% da área para a formação da represa da usina hidrelétrica de Porto Primavera, no Rio Paraná, e a Grande Reserva foi praticamente varrida do mapa, com seus atuais 6.677 hectares, confinados em quatro fragmentos na Estação Ecológica Mico-Leão-Preto.
IHU On-Line – Qual o principal problema ambiental da região?
Djalma Weffort – O principal problema ambiental da região é a fragmentação dos ecossistemas, representada pelo baixo índice de cobertura nativa: menos de 2% da vegetação original de Mata Atlântica, com transição para Cerrado, no passado de valor biológico singular. No meio físico, temos graves problemas com erosão do solo e o consequente assoreamento dos rios e córregos. Além da “perda” da água, com ribeirões secando, grande parte da fertilidade do solo está sendo levada pelo processo erosivo, favorecendo um quadro de pré-desertificação da região.
IHU On-Line – O senhor disse que o desmate feito com herbicida na reserva já ocorre há 40 anos. Como se deu, ao longo do tempo, o desmatamento desta região da Mata Atlântica? Quem desmatou a região?
Djalma Weffort – De fato, no início dos anos 1970, os supostos proprietários das terras e grandes fazendeiros, com o auxílio de aviões agrícolas, despejavam sobre a floresta os desfolhantes químicos Tributon-24-D e Planaton, conhecidos por conterem o chamado “agente laranja”, utilizado pelos Estados Unidos sobre a selva do Vietnã, nos anos 1960. Interessante notar que o recrudescimento das ações de destruição da floresta “coincidiam” com os momentos em que o governo tentava alterar a legislação sobre a Grande Reserva. Tal como hoje estamos assistindo com as discussões sobre o Código Florestal, em que os proprietários e ruralistas usam a indefinição da lei para investir contra o meio ambiente. Atualmente, são utilizados agrotóxicos na agricultura e, sobretudo, nos plantios de cana para produção de etanol, mesmo nas áreas demarcadas como zona de amortecimento no entorno das unidades de conservação.
IHU On-Line – Dizem que no Pontal do Paranapanema, há mais de um século, acontecem muitos conflitos sociais em função da terra. O senhor tem acompanhado esses conflitos? Desde quando eles acontecem?
Djalma Weffort – Os conflitos sociais no Pontal começaram com a abertura da fronteira paulista para agricultura e pecuária e foram agudizados justamente com a criação das reservas. A criação dessas áreas protegidas, no então governo Fernando Costa, numa época em que nem se falava em meio ambiente, contrariaram os interesses não só dos “proprietários” de terras, como também de negociantes imobiliários, muitos dos quais ligados aos meios políticos e financeiros. A forte concentração de terras envolveu o extermínio de índios, a expulsão e morte de posseiros, escravidão branca e em contraposição atraiu, nos anos 1960, a ação do movimento armado e, nos anos 1980, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), que, amparado por enormes contingentes de trabalhadores com baixa qualificação, inicia a luta pela posse das terras nas áreas já ocupadas pela agricultura e pecuária em grandes fazendas consideradas improdutivas ou com baixa produtividade, em sua maioria julgadas devolutas. O confuso quadro econômico, social e ambiental, ainda reinante nos dias de hoje, estende ainda mais os riscos aos remanescentes florestais da região.
IHU On-Line – Como vivem os agricultores e assentados no Pontal?
Djalma Weffort – Temos hoje cerca de sete mil famílias assentadas, em aproximadamente 110 assentamentos rurais, que vivem basicamente da agricultura e, em maior escala, da pecuária de subsistência. Há algumas referências em sistemas agroflorestais, e uma forte presença dos governos estadual e federal por meio de razoáveis apoios ao extensionismo, em comercialização e crédito rural.
IHU On-Line – Qual a atual situação socioeconômica da região do Pontal?
Djalma Weffort – Com um índice de desenvolvimento humano (IDH-M) de 0,718, em 2009, o Pontal Paranapanema foi, nesse ano, considerado pelos critérios do Pnud como região de médio desenvolvimento humano (IDH entre 0,5 e 0,8). É considerada a segunda região mais carente do Estado de São Paulo. O Pontal contribui com grande parte da geração de energia da Região Sudeste do país, representada pelas usinas hidrelétricas nos rios Paraná e Paranapanema. Possui um comércio forte e tem em Presidente Prudente um grande centro regional. Foi, até há alguns anos, grande centro de produção pecuária. Está, porém, perdendo essa condição para os fortes investimentos em áreas de plantio de cana-de-açúcar para produção de etanol.
IHU On-Line – Existem políticas públicas de preservação para a região do Pontal?
Djalma Weffort – Nos anos 1980 e 1990, a mobilização da sociedade contra os danos ambientais da construção da usina hidrelétrica de Porto Primavera e os esforços da comunidade ambientalista em resgatar a Grande Reserva do Pontal resultaram, em 2000, na inclusão da região entre as 182 áreas prioritárias para a conservação da floresta atlântica e na sua classificação como de extrema importância biológica para a conservação da biodiversidade pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA). Em São Paulo, ações de mobilização e pesquisa da Apoena e Ipê, as duas ONGs que trabalham com o tema na região, foi a inclusão do Pontal do Paranapanema como Reserva da Biosfera da Mata Atlântica e a realização pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente de zoneamento ecológico, definindo as prioridades no uso da terra na região. A mobilização da sociedade civil, ao lado dos Ministérios Públicos regionais, resultou ainda na criação dos Parques Estaduais do Aguapeí (9.900 hectares) e RPPN da Foz do Aguapeí (8.800 hectares), na Nova Alta Paulista, e da Estação Ecológica do Mico-Leão-Preto (6.660 hectares) e do Parque Estadual do Rio do Peixe, esse na região conhecida como Médio Pontal do Paranapanema.
IHU On-Line – Que medidas a Apoena propõe para resgatar a reserva do Pontal?
Djalma Weffort – Como disse, a fragmentação dos ecossistemas é o grande desafio para nós que aqui trabalhamos com conservação. A região abriga uma rica diversidade de espécies da fauna e da flora, essenciais ao restabelecimento do fluxo gênico entre as espécies. Temos ainda populações representativas de espécies topo da cadeia antrópica como a onça-pintada (Panthera onca) e a última população viável do cervo do pantanal (Blastocerus dichotomus), em território paulista.
Nesse cenário, a Apoena e instituições parceiras estão propondo, primeiramente, conservar os 2% que restaram das florestas e seus ecossistemas associados; e, em segundo lugar, restabelecer a conexão entre os fragmentos isolados na paisagem por meio da criação dos corredores ecológicos. Estamos trabalhando ainda com um consórcio de instituições do governo, ONGs e companhias energéticas no projeto Ações de Governança Participativa no Corredor de Biodiversidade do Rio Paraná, no Bioma Mata Atlântica, que tem como principal objetivo criar um modelo de gestão biorregional integrado com base sustentável, considerando a biologia da conservação e o manejo da paisagem.
Enfim, a Apoena e seus parceiros regionais querem encontrar mecanismos de mitigação dos efeitos da fragmentação sobre a biodiversidade e propor a conciliação da dinâmica ambiental com as atividades humanas, geração de renda e melhoria da qualidade de vida das comunidades locais. Ressalto que a comunidade acadêmica regional é consciente e preocupada com esta situação e tem desenvolvido estudos e pesquisas sobre o assunto, tanto individualmente quanto em grupos de pesquisa. Uma das mais importantes universidades brasileiras é a Universidade Estadual Paulista, que no Pontal tem dois campi localizados em Presidente Prudente e em Rosana.
Saiba mais…
A Apoena (Associação em Defesa do Rio Paraná, Afluentes e Mata Ciliar) foi fundada em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Brasileira que, pela primeira vez na história, dedicou um capítulo inteiro ao meio ambiente. Passados quase 14 anos, os preceitos da Carta Magna relativos à questão ambiental infelizmente não foram colocados em prática. Os objetivos da entidade são, entre outros, a defesa do meio ambiente e das unidades de conservação na região de influência do Rio Paraná, o acompanhamento das atividades hidroenergéticas na região, a mobilização da comunidade, a conscientização da opinião pública por meio da educação ambiental, a articulação com outros segmentos da sociedade como o Ministério Público e a defesa da identidade físico e cultural das populações ribeirinhas, ilhéus e pirangueiros.
* Publicado originalmnete no site IHU On-Line.