Para não deixar dúvidas sobre os objetivos do texto que você vai ler: este despretensioso artigo é uma defesa da prática do Mixed Martial Arts (MMS) e da posição de que, sim, trata-se de um esporte.

O lutador brasileiro Anderson Silva. Foto: Reprodução site mma-brasil.com

Por conta da superexposição que recebeu da grande mídia brasileira nos últimos meses, sobretudo devido à realização do UFC 134 na cidade do Rio de Janeiro, o MMA foi alçado ao primeiro plano do esporte nacional, ao menos no quesito visibilidade.

Como subproduto desta superexposição, porém, o Mixed Martial Arts e suas estrelas foram alvo de críticas tão duras como um jab certeiro, quase todas fundadas no mesmo argumento: a suposta violência extremada dos lutadores.

O MMA foi convertido na Geni do mundo esportivo, como se seus praticantes fossem bestas humanas a esmigalhar cérebros com a mesma brutalidade dos gladiadores, no Coliseu de Roma. Chegou-se a dizer que não se trata de um esporte, mas de um espetáculo legalizado de sangue e vítimas. Puro exagero, claro.

Não temos procuração para atuar como advogados do MMA. Somos apenas seus admiradores. Não de hoje, aliás, como a grande maioria dos seus novos entusiastas, mas desde os anos 90, quando os torneios antecessores do Mixed Martial Arts – o vale-tudo e, depois, o Pride – exibiam ogros como Dan Severn, Mark Kerr, Don Frye, Tank Abbott, Mark Coleman, os brasileiros Rickson Gracie e Pedro Rizzo e, claro, os veteraníssimos Randy Couture e Ken Shamrock.

Por isso, e também pela necessidade que o bom senso impõe de fazer justiça com o esporte, mesmo sob pena de sermos massacrados pela intolerância dos que não entendem o que é o Mixed Martial Arts, é preciso que se diga a verdade. Pena ter que lembrar o óbvio aos seus detratores: o MMA não é necessariamente mais violento que o boxe, seu primo-irmão mais famoso; é apenas diferente.

Basta consultar as estatísticas para se verificar que, proporcionalmente, um número muito maior de boxeadores – entre eles, o mito Muhammad Ali – pendurou as luvas em meio a um histórico de doenças neurológicas e físicas graves, sequelas adquiridas ao longo de anos de lutas nos ringues.

O MMA não é mais bruto sequer que outro gênero de violência à qual estamos acostumados: a que, produto da mais pura bestialidade, parte de quem jamais deveria. Referimo-nos aos atletas das modalidades esportivas que deveriam primar pelo fair play, mas que muitas vezes fazem da sua atividade terra sem leis. Entre elas, o rugby, o futebol americano e até o football soccer, um velho conhecido dos brasileiros, que nos tornou campeões do mundo cinco vezes. E, já que falamos de pancadaria, convém lembrar da que ocorre fora dos gramados e ginásios, à custa inclusive de vidas de inocentes. No MMA, pelo menos, os golpes se limitam ao octógono. Não consta que, além dos próprios lutadores, cidadãos tenham sido mortos nas arenas do Mixed Martial Arts em guerras de torcidas.

A acidez dispensada ao MMA também é infundada por outra razão: quando se tenta induzir as pessoas a pensar que o futebol e outras modalidades esportivas são mais nobres que o Mixed Martial Arts porque teriam mais identificação com a cultura brasileira. O futebol é criação inglesa, a quem interessar possa, ainda que esteja no âmago da cultura esportiva nacional.

Mas não douremos a pílula. Não custa lembrar que no MMA, rigorosamente da mesma forma que no futebol ou em qualquer esporte, a roda da fortuna gira. Move-se acionada por homens de negócios ousados, ambiciosos e, muitas vezes, desonestos. Lá, como cá, trata-se de ganhar (muito) dinheiro, o que possibilitou à marca UFC (Ultimate Fighting Championship) valer US$ 2 bilhões. Daí porque comparações entre os esportes não fazem sentido. A suposta supremacia do futebol sobre o MMA é mais um mito midiático.

Porém, exatamente porque gera dinheiro, o MMA também passou a ser alvo de outro processo: a fulanização. A genialidade de Anderson Silva e de ícones do nível de Rodrigo Minotauro Nogueira, Mauricio Shogun, Lyoto Machida e Junior Cigano dos Santos garantiram nome e identidade nacional ao esporte, que virou “popular”. Não, porém, para permitir seu acesso ao grande público, e sim para convertê-lo em lucrativa fonte de receita. Justa, aliás, sobretudo para seus atletas.

Assim, os atores principais deste espetáculo passaram a receber da mídia tratamento semelhante aos dos artífices dos gramados, das cabines da imprensa esportiva e das salas refrigeradas dos executivos da bola. Merecida homenagem a quem tem levado a bandeira brasileira  ao primeiro plano do esporte.

Nesta lógica, o curitibano Anderson Silva converteu-se no Neymar dos lutadores. Bruce Buffer tornou-se uma espécie de Galvão Bueno do octógono. Dana White (dono do UFC) é o Joseph Blatter do agora bilionário esporte. E há até falastrões como o médio norte-americano Chael Sonnen que, pelo estilo birrento, em nada difere da lenda Diego Maradona.

O MMA – assim como o futebol, desde sempre – foi devidamente fulanizado, é elogiado e duramente criticado, como ocorre com as coisas e pessoas que ganham notoriedade pelas mentes nada desinteressadas dos homens da mídia.

Não se diga, portanto, que um esporte é melhor que o outro porque menos violento ou mais nobre. Mixed Arts Martial, futebol, rugby e seja lá o que for são esportes diferentes, mas que guardam muito mais pontos comuns do que se imagina. Sem nenhuma exceção, todos merecem o nosso mais profundo respeito. Todos, nos gramados ou nos octógonos, têm seus anjos e demônios. Deixem o MMA em paz.

* Aurélio Munhoz é jornalista, sociólogo, consultor em Comunicação e presidente da ONG Pense Bicho. Pós-graduado em Sociologia Política e em Gestão da Comunicação, foi repórter, editor e colunista na imprensa do Paraná. Endereço no Twitter: http://twitter.com/aureliomunhoz.

** Publicado originalmente no site da revista Carta Capital.