A geração condenada da Grécia

Para quem tem entre 18 e 24 anos de idade, o mais certo é estar desempregado como 40% da sua geração. Quem tem trinta e poucos anos e um emprego, é provável que seja em tempo parcial e flexível. É possível que não o imagine estável e não faz ideia do tempo que vai durar. Os salários caem gradualmente, não se pode fazer greve, não podemos nos organizar de forma coletiva e nem sequer exigir que nos paguem. As férias estão fora de questão, adoecer é um risco demasiado grande e não é possível ter casa própria.

Um ano depois de o Fundo Monetário Internacional e a União Europeia terem imposto a sua própria agenda infame à Grécia, a vida aqui mudou radicalmente. Para quem tem entre 18 e 24 anos de idade, o mais certo é estar desempregado como 40% da sua geração. Quem tem trinta e poucos anos e um emprego, é provável que seja em tempo parcial e flexível. É possível que não o imagine estável e não faz ideia do tempo que vai durar. Os salários caem gradualmente, não se pode fazer greve, não podemos nos organizar de forma coletiva e nem sequer exigir que nos paguem. As férias estão fora de questão, adoecer é um risco demasiado grande e não é possível ter casa própria.

Os jovens gregos não podem fazer escolhas normais na vida: não podem planejar o presente, quanto mais o futuro. Mas dizem-lhes – e muitos sentem-no – que não podem se queixar. Afinal pertencem a uma geração condenada.

A maior parte dos gregos deixou de ver as notícias ou de pensar sobre a razão do que está acontecendo. Mas todo mundo fala entre si sobre o que está se passando. Amigos, filhos e pais, comerciantes, taxistas, professores – todo mundo diz que esta austeridade é desleal e injusta, mas também todos se sentem inseguros e receosos. Ao fim e ao cabo, não há nada que possam fazer. Esta nova realidade parece ter sido lançada sobre nós, quase como um fenômeno sobrenatural. Dizem-nos que arcamos com as culpas da crise porque “todos nós gastamos para além das nossas possibilidades”, mas os que sofrem mais sabem que não tiveram nada a ver com isto.

Ainda não se passaram 12 meses desde que esta crise começou, mas as pequenas histórias que ilustram a mudança estão sempre aparecendo: sem-teto a vasculhar os caixotes de lixo à procura de comida, amigos demitidos sem indenização ou aceitando cortes salariais, a polícia reprimindo cidadãos em protesto, escolas e hospitais que fecham, professores e médicos que perdem o emprego, jornalistas censurados, sindicalistas perseguidos, ataques racistas no centro da cidade.

Legalidade, maioria, democracia e igualdade começam a parecer palavras sem nexo.

De repente, as coisas que aconteceram há apenas um ano em lugares remotos, subdesenvolvidos – como para provar a sorte que tínhamos por pertencer à civilizada Europa – estão acontecendo agora, aqui, na Grécia. Mas os gregos não podem queixar-se, não podem reagir, porque lhes dizem que a culpa da crise é deles – mesmo quando toda a gente sabe que não pode ser apenas culpa deles.

Para além da cobertura midiática dominante e das declarações das elites e dos políticos, cada vez mais pessoas sentem a falta de sentido, racionalidade, justiça e liberdade na sua vida cotidiana. Alguns se recusam a pagar taxas sobre os transportes e nos hospitais, portagens e dívidas e outros criam pequenas redes de solidariedade locais, comércio alternativo ou autoeducação nos seus bairros. Alguns leem blogues e contam histórias diferentes, reconfirmando a sua dignidade com atos humildes, diários, de resistência, porque sentem a diferença entre “nós” e “eles” que nenhum meio de comunicação social ou discurso estatal consegue obscurecer.

Um povo inteiro não pode viver no isolamento, sentindo medo e culpa por muito mais tempo, encarando um futuro cheio de problemas que não podem ser resolvidos. O que o FMI e os políticos gregos sabem e receiam é que um povo oprimido possa aprender a comunicar sem falar, a avançar sem parecer que se mexe, a resistir sem resistir – gradualmente as pessoas vão descobrir-se umas às outras e perceber o que está se passando e de quem é realmente a culpa. E depois, como aconteceu em dezembro de 2008, haverá uma reação em massa aqui na Grécia, uma reação que poderá ser violenta e que vai, uma vez mais, ser classificada de imprevisível e irracional.

* Hara Kouki é historiadora e pesquisadora grega.

** Publicado originalmente no The Guardian, traduzido por Ana Carneiro para o Esquerda.net e retirado do site Agência Carta Maior.