Nações Unidas, 11/5/2011 – O assassinato de Osama bin Laden, desarmado, em sua casa no Paquistão, pode ser considerado legítima defesa, homicídio justificado ou execução extrajudicial? Especialistas em direitos humanos pedem a Washington mais detalhes da operação, inclusive se havia planos para capturá-lo vivo. O governo do presidente Barack Obama, que mudou alguns aspectos de sua versão inicial dos fatos, é inequívoco ao concluir que “fez justiça” ao matar, no dia 1º deste mês, o saudita que liderava a rede extremista Al Qaeda.
Esta conclusão é questionada por alguns especialistas em temas constitucionais e ativistas pelos direitos humanos, que descrevem a matança como uma execução arbitrária ou uma violação do direito internacional. A maneira como foi morto Bin Laden apresenta sérias questões legais, afirmou Michael Ratner, presidente do Centro para os Direitos Constitucionais, com sede em Nova York.
A mais imediata é se o pequeno grupo de elite da Marinha de guerra norte-americana, que o confrontou no quarto de seu complexo na localidade paquistanesa de Abbottabad, deveria tê-lo matado. Em uma drástica mudança do relato, o governo dos Estados Unidos admitiu mais tarde que Osama estava desarmado e que não usou uma mulher como escudo humano, com declarara originalmente. Nessas circunstâncias, os soldados norte-americanos “deveriam tê-lo capturado. Matá-lo nessa altura pode ser considerado um crime de guerra”, disse Ratner à IPS.
Washington tentou justificar a matança argumentando que Bin Laden resistiu, mas quando lhe foi perguntado como, o porta-voz não pôde responder, disse Ratner. No dia seguinte, os Estados Unidos alegaram que Osama tinha uma arma muito próxima dele e que, portanto, foi necessário disparar antes que ele pudesse pegá-la, disse. “Provavelmente, nunca saberemos a verdade”, ressaltou Ratner, embora pareça cada vez mais provável que os militares norte-americanos tenham recebido ordens de “matá-lo, não de trazê-lo vivo”, acrescentou.
Isso seria coerente com “o ponto de vista de que o governo assumiu a determinação de que um Bin Laden morto seria melhor do que um vivo”, disse Ratner, que também é professor na Escola de Leis da Universidade de Colúmbia e autor de vários livros, entre eles “Guantánamo: O que o Mundo Deveria Saber”.
Apesar de tê-los mantido detidos durante anos, o governo dos Estados Unidos não conseguiu levar à justiça os conspiradores do 11 de setembro de 2001, data dos ataques que deixaram três mil mortos em Nova York e Washington – atribuídos à Al Qaeda –, e bem menos se entusiasmaria em fazê-lo com Bin Laden, acrescentou Ratner. Um julgamento público com o devido processo teria assentado um precedente importante. Se Osama fosse condenado, isso teria ajudado a convencer os céticos de que ele foi o autor intelectual desses e de outros atentados, disse Ratner.
Stephen Zunes, professor de Política e diretor de Estudos sobre o Oriente Médio na Universidade de São Francisco, afirmou que, pelo fato de ter ocorrido um tiroteio no complexo, somente o ato de erguer as mãos pode ter sido considerado uma potencial ameaça e, portanto, exigiu legítima defesa. “Ao mesmo tempo, devido ao recente histórico de assassinatos ilegais por parte das forças norte-americanas, é provável que continuem as perguntas”, disse Zunes à IPS.
O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, mostrou-se politicamente cauteloso em suas declarações. Seu porta-voz, Fahran Haq, disse que a ONU respeita o direito de todos os países realizarem operações antiterroristas. Contudo, estas operações “devem estar em acordo com o direito internacional”.
No entanto, Christof Heyns e Martin Scheinin, especialistas da ONU em matanças extrajudiciais e antiterrorismo, disseram que será particularmente importante saber se o planejamento da missão permitiu um esforço para capturar Bin Laden vivo. Em um comunicado divulgado na semana passada, também descartam que em certos casos excepcionalmente pode-se permitir o uso da força letal como último recurso, segundo padrões internacionais, para proteger a vida, inclusive em operações contra terroristas. “Entretanto, a norma deveria ser que os terroristas sejam tratados como criminosos, mediante os processos legais de prisão, julgamento e a sanção judicial que foi aplicada”, afirmaram.
Fora das zonas de guerra, a ordem de matar somente pode ser emitida contra uma pessoa que constitua uma ameaça iminente, e esta ameaça deve ser concreta e específica. Sem estas condições, deve-se primeiro usar a força não letal, e somente se for absolutamente necessário pode-se usar a letal, disse Ratner. O especialista disse, ainda, que exceto em uma guerra, cruzar a fronteira de um Estado para matar alguém ou enviar aviões teledirigidos a outro país é proibido pelo Artigo 2(4) da Carta da ONU.
Claro que o Estado para onde são enviados estes aviões não tripulados sempre pode dar seu consentimento. Além disto, se o país que envia naves ou equipes para matar argumenta que se trata de autodefesa porque o outro Estado negou-se a deter os ataques a partir de seu território, ou não pôde fazê-lo, a Carta não estaria sendo violada. Envolverde/IPS