Lucerna Suíça, 25/7/2011 – Muitas das geleiras dos Alpes poderão desaparecer neste século, e seu retrocesso inevitável afetará a hidrologia dos principais rios da Europa, agravando a escassez de água no verão, afirma um novo estudo. Embora os gelos da cadeia montanhosa europeia sejam chamados de “eternos”, em sua maioria sofreu um retrocesso constante nos últimos 150 anos, e sua redução aumentou visivelmente a partir da década de 1980.
A passagem Furka, no centro da Suíça, oferece aos turistas, bem abaixo de seu ponto mais elevado, a possibilidade de entrar em uma caverna de gelo cavada na geleira Ródano. A cada ano, a entrada da gruta se desloca alguns metros abaixo da montanha. Medições feitas entre 1879 e 2010 revelam que a geleira perdeu 1.266 metros de sua longitude original.
Os Alpes suíços também recebem o nome de “caixa d’água da Europa”. Suas geleiras armazenam quase 60 bilhões de metros cúbicos. Matthias Huss, especialista em geleiras do Departamento de Geociências, da Universidade de Friburgo, na Alemanha, explica que essas massas de gelo cumprem uma função de equilíbrio, pois “liberam a água exatamente quando dela precisamos, e a armazenam em períodos de menor necessidade”. Isto significa que as geleiras conservam água nos meses frios e úmidos do inverno.
De maio a setembro, a neve e o gelo derretem sobre a superfície das geleiras e proporcionam a água necessária para a estação quente e seca. Este mesmo mecanismo compensa as variações entre os anos. Nos anos mais frios e úmidos elas acumulam água que liberam em verões relativamente quentes e secos, como o de 2003.
Um novo estudo apresentado por Huss na revista científica Water Resources Research conclui que a proporção de água de geleira que corre pelos principais rios europeus é maior do que se supunha. “Comparei os dados da água vertida das geleiras com os das quatro principais vias hidrológicas que se originam nos Alpes suíços”, explicou Huss. O estudo se baseia em medições feitas ao longo dos rios Reno, Ródano, Pó e Danúbio. A comparação permitiu determinar a proporção relativa de água de geleira que corre por esses rios. “Em consequência, pude quantificar quanto poderia reduzir a água vertida caso a contribuição das geleiras se perca completamente”, detalhou.
O Ródano se origina no Alto Valais, na Suíça, e passa pelo Vale do Ródano e Lago Genebra rumo à França e, finalmente, desemboca no Mar Mediterrâneo pelo delta de Camarga, perto de Arlés, no sul do território francês. O Ródano mede 813 quilômetros e sua bacia de drenagem tem cerca de cem mil quilômetros quadrados. Os cálculos de Huss revelam que a contribuição que as geleiras realizaram, em média, nos últimos cem anos para o Ródano representou 25% do total de sua massa de água. Em agosto de 2003, em um verão extremamente quente e seco, esta proporção aumentou para 40%.
Os pesquisadores do Escritório Federal da Energia (Ofen) da Suíça estão preparados para enfrentar as consequências hídricas que serão causadas pela mudança climática nos lares suíços. O Ofen apresentou recentemente o Projeto CCHydro, que procura fornecer prognósticos detalhados sobre o ciclo hidrológico e a água vertida pelas geleiras neste país nas próximas décadas.
O diretor do projeto, David Volken, disse que entre 1996 e 2006 derreteram anualmente 900 milhões de metros cúbicos de água das geleiras. E prevê que a água vertida aumentará até 2050, registrando em seguida uma rápida redução até o final do século. “Devido ao aquecimento do clima, a neve começará a derreter um mês antes e as chuvas serão 10% a 15% menores no verão”, acrescentou Volken. Dessa forma, prevê que o regime de água vertida dos rios variará. “Será maior no inverno e menor no verão. No futuro haverá menos água disponível durante os verões mais quentes”, alertou o especialista.
Huss também destacou que o panorama atual é enganoso. “Devido à mudança climática, agora recebemos mais água das geleiras do que o habitual, já que estão derretendo. À primeira vista pode parecer que não existe problema”, afirmou. Porém, advertiu que isso logo mudará e que as geleiras existentes não poderão fornecer água suficiente durante os meses quentes.
Segundo o cálculo de Huss, as bacias de geleiras poderiam contribuir com 55% a 85% menos água para os rios no final deste século. “Mesmo se fosse possível estabilizar o clima no nível atual veríamos um retrocesso drástico das geleiras, e sua capacidade de armazenamento se limitaria de forma extrema ou se perderia totalmente”, afirmou. A humanidade será obrigada a se adaptar à inevitável redução das geleiras. Os déficits hídricos acontecerão com maior frequência e as consequências econômicas podem ser severas, alerta o estudo.
Em especial, o setor agrícola sofrerá graves desafios e as comunidades terão dificuldades para manter o fornecimento de água potável. Volken disse que será preciso reforçar a eficiência do consumo de água no setor agrícola. Também serão inevitáveis os ajustes na exploração da superfície agrícola, acrescentou. Volken sugere otimizar a água potável mediante a integração regional e estratégias novas, como a ligação das redes hídricas a um mínimo de dois cursos de água independentes. Como medidas adicionais, menciona a construção de mais represas nas montanhas ou armazenamento sistemático de água na terra. Envolverde/IPS