Os meios tradicionais de arrecadação, que aceitam apenas doações físicas ou por depósito em conta, ainda são a maioria – o Instituto Caritas e a Ação da Cidadania são exemplos famosos. Mas a mudança é cada dia mais perceptível. A chave não está apenas na criação de softwares e aplicativos, mas na capacidade do usuário em deixar-se levar pelas múltiplas possibilidades do universo virtual. A quantidade de estratégias de comunicação inovadoras é imensa. A maioria é baseada em sites já existentes, como Twitter e Facebook, mas algumas empresas desenvolvem novos aplicativos.
Procurando aprimorar sua imagem e, ao mesmo tempo, angariar fundos, o Projeto Guri, entidade governamental focada no ensino de música para crianças e adolescentes, criou um aplicativo online que utiliza música e interatividade simultaneamente. Para isso, o projeto convidou artistas renomados da MPB que gravaram sons – batidas, vocais, bases – que podem ser combinadas de inúmeras formas. O internauta monta sua própria música a partir desses pedaços disponíveis no site. Depois de pronta, é possível pagar de R$ 0,50 a R$ 16 para compartilhar a criação, dependendo do número de trechos usados.
Os fragmentos musicais foram feitos a partir de uma canção de Arnaldo Antunes em parceria com o produtor Antonio Pinto, com colaboração de Naná Vasconcelos, Jaques Morelenbaum, Edgar Scandurra, Siba, Fernando Catatau, Toninho Ferragutti, Teco Cardoso, Guilherme Kastrup e grupo Ensemble e alunos do projeto. Outros produtos também estão à venda na página – alguns com valores de R$ 79.
A maior parte do financiamento do projeto (95%), no entanto, é feito pelo governo do Estado. Segundo a presidente da Associação Amigos do Projeto Guri, Alessandra Costa, o site MixerGuri visa, mais do que angariar fundos, a dar visibilidade ao projeto. A equipe constatou a demanda de uma estratégia de comunicação e marketing que conversasse com as atividades do Guri, ou seja, relacionadas com o universo da música e voltada para uma faixa etária mais jovem – apesar do MixerGuri ter público de nove a 40 anos. Iniciativa que exigiu financiamento, uma vez que os músicos que participaram foram todos remunerados. “É uma forma da música chegar para o usuário”, diz Alessandra.
Ações “viralizadas”
Na área da saúde, uma forma de solidariedade sutil, mas não menos valiosa, foi o cerne para a iniciativa do Instituto Mario Penna. O projeto #doepalavras desenvolvido pelo Instituto em parceria com empresas de comunicação e tecnologia, criou uma plataforma para compartilhar mensagens de apoio e perseverança para pacientes que enfrentam o câncer. Via Twitter ou pelo site da iniciativa, colaboradores postam seus recados, que aparecem em telas instaladas nos hospitais e casas do instituto, sempre usando a hashtag #doepalavras. Depois de um ano, as mensagens foram compiladas em um livro, distribuído nos hospitais. “Tivemos muito pouco trabalho para fazer com que a ação se viralizasse”, comenta o idealizador Ricardo. Eles enviaram a ideia para alguns contatos próximos e em pouco tempo a iniciativa havia se espalhado. O último relatório, criado em 13 de junho, mostrava um total de 2.117.155 de visitas e 653.470 mensagens enviadas pelo site e 54.035 pelo Twitter.
Como o projeto lida com pacientes terminais, há um funcionário responsável por filtrar as mensagens para vetar posts que tenham alguma conotação ambígua. Hoje, é um projeto aberto: qualquer hospital pode visualizar os recados em uma tela de computador e compartilhar com seus pacientes. Outra novidade é a “realidade ampliada”, tecnologia que permite visualizar na última página do livro do projeto as novas mensagens do site, apenas colocando o livro na frente da tela e filmando a cena com uma webcam.
Cliques que valem dinheiro
Já famoso por ajudar a derrubar governos na Tunísia e no Egito e por concentrar a organização de protestos por toda a Europa e no Brasil, o Facebook também tem um aplicativo que une a lógica de compartilhamento entre amigos, própria do site de relacionamento, com uma estratégia de arrecadação de recursos e pessoas para causas variadas. Chamado “Causes”, ele reúne interessados em torno de uma mesma iniciativa. São as causas mais variadas, desde grupos conservadores para tornar o aborto “impensável” até apoio a manifestações e projetos de assistência a países subdesenvolvidos.
O usuário pode colaborar ajudando na divulgação ou com doações financeiras. Petições, quantias de dinheiro e números de compartilhamentos dos links ficam expostos para os “amigos”, seguindo a mesma lógica da rede. “Liberdade aos bombeiros de RJ”, “Contra o novo projeto de Código Florestal”, “Ajude 5000 meninas no Malawi”, “Não ao ato médico! Contra o PL 7703/2006” “Contra a liberação dos maus-tratos aos animais no Brasil – PL 4548/98”, “Legalize o Cultivo Caseiro no Brasil”, “Ajude a tornar o aborto impensável” são alguns dos nomes de causas disponíveis.
Segundo dados do próprio Facebook, o aplicativo possui 150 milhões de membros, 500 mil causas criadas e 35 milhões angariados para 27 mil entidades. Em algumas páginas, como a das meninas no Malawi, ao assistir um vídeo disponível, o internauta doa automaticamente US$ 1 por meio de uma entidade que angaria doações de pessoas e empresas. O usuário não desembolsa, mas seu clique vale dinheiro.
A lógica do “a cada clique, US$ 0,50 doados” se multiplicou na rede e é utilizada por diversas entidades. Geralmente, uma empresa se propõe a doar certa quantia de dinheiro para uma entidade não governamental, mas o valor varia de acordo com o número de vezes que o público acessou a página e clicou em determinado vídeo, áudio ou imagem.
* Publicado originalmente no site da revista Carta Capital.