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A invasão das florestas desencantadas

Montevidéu, Uruguai, 23/9/2011 – O desmatamento em grande escala se expande rapidamente nos países do Sul, impulsionado pelos baixos custos de produção e pela cumplicidade de governos, causando graves impactos sociais e ambientais, alertaram especialistas de diversas partes do mundo reunidos na capital uruguaia. Os chamados “desertos verdes” avançam pelos solos férteis da região, com a proliferação de árvores de rápido crescimento destinadas à produção de papel e para outros fins industriais, deslocando comunidades e afetando ecossistemas autóctones.

Muitos governos do mundo em desenvolvimento apoiam este modelo de produção e consumo que é replicado do Norte, em lugar de defender a soberania e o bem-estar popular, conforme denúncias de participantes dos atos realizados no dia 21, em Montevidéu, por ocasião do Dia Internacional de Luta contra as Monoculturas de Árvores. Para ilustrar o desequilíbrio, “na Europa são consumidos cerca de 350 quilos de papel por ano por pessoa, sendo que metade é destinada a embalagens, enquanto no Brasil e Uruguai este número cai para 50 quilos”, contou à IPS o brasileiro Winfridus Overbeek, coordenador internacional do Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (WRM).

Overbeek disse que tanto na Europa como na América do Norte já não há espaço suficientemente grande para plantar árvores e garantir este alto consumo. Por isto, se buscou emigrar a produção para o Sul. A essas dificuldades se somam as diferentes oportunidades que as multinacionais encontram no mundo em desenvolvimento, onde abundam as terras férteis e os custos de produção e os salários são menores do que no Norte industrializado, acrescentou.

Em vários países da América Latina, bem como no sul da África e na Ásia, há uma forte expansão das monoculturas de eucalipto e de pinheiro para abastecer as fábricas de celulose. Também aumentaram nessas regiões as plantações de palma para produzir óleo, até há pouco tempo concentradas na Indonésia. Por outro lado, para “amenizar os efeitos da crise climática foram geradas falsas soluções para proteger o planeta”, disse Overbeek. “Incentiva-se a produção de agrocombustíveis, como, por exemplo, a mencionada palma, embora seu processamento e transporte liberem na atmosfera o mesmo carbono que pretende reduzir”, explicou.

Além disso, o mecanismo de desenvolvimento limpo criado no Protocolo de Kyoto permite aos países industrializados optar por manter suas emissões de gases-estufa e compensá-las com o financiamento de atividades em países do Sul que supostamente contribuiriam com o desenvolvimento local e com a redução desses agentes contaminantes. Precisamente, “uma dessas atividades é plantar árvores em grande escala”, denunciou o coordenador da WRM.

Guadalupe Rodríguez, integrante da organização não governamental Salva a Selva, alertou à IPS que “as monoculturas tendem a ser vistas como algo bom, porque são verdes e bonitas, mas, se nos aproximarmos delas, não ouviremos nem um pássaro, porque não há nada, apenas silêncio. Uma monocultura é quase como uma pedreira. “Já em uma floresta tropical se ouvirá animais, água fluindo, porque há vida”, acrescentou.

O Brasil é um exemplo de como a expansão das monoculturas de árvores afeta as comunidades. Atualmente, há cerca de sete milhões de hectares florestados, sobretudo com eucaliptos, em plantações “concentradas nas regiões mais férteis e povoadas do país”, afirmou Overbeek. “Calculamos que 50 mil famílias que viviam da agricultura foram deslocadas do campo por esse motivo no Espírito Santo”, onde já são dez os assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

“Eles entraram na plantação de eucalipto, cortaram as árvores e fizeram suas casas para dizer: precisamos desta terra para viver”, disse o coordenador da MRW, acrescentando que “o MST reuniu, no dia 8 de março, 1.500 mulheres para cortar eucaliptos e produzir alimentos, e hoje, seis meses depois, já há plantações de feijão e milho em uma área que era de monocultura”. Overbeek ressalta que, pelo fato de o Brasil ter um governo de esquerda, ao contrário do passado, “não mandam a polícia para combater as ocupações. Felizmente, não há esse tipo de violência”.

No entanto, a repressão para as comunidades que resistem a este modelo de produção existe em outros países em desenvolvimento. “Sabemos de casos de assassinatos de pessoas vinculados às lutas de resistência”, denunciou Guadalupe Rodríguez. Como exemplo, relatou que uma camponesa guatemalteca foi morta por se opor à expansão das monoculturas de cana-de-açúcar e de palma no departamento de Alta Verapaz.

Os impactos do reflorestamento nas pradarias e na água é outro problema que afeta diferentes territórios. Philip Owen, fundador da organização Geasphere, da África do Sul, contou à IPS a experiência negativa da região de Mpumalanga no nordeste desse país, onde se concentram as plantações de eucalipto e pinheiro, que secam as reservas subterrâneas de água, riachos e rios. Outro grande aspecto ocorre na biodiversidade. “A instalação de monoculturas significa a morte da pradaria, porque se tira a luz, que é fundamental para sua germinação”, alertou.

Owen também explicou que a pradaria funciona como uma esponja que absorve a água quando chove, mas, ao desaparecer, gera inundações e erosão do solo. Por outro lado, as companhias plantadoras iniciaram uma série de matanças de animais, como o macaco babun, que causam danos às árvores na sua busca por comida. Segundo Owen, foram mortos cerca de três mil destes animais nos últimos dez anos na África do Sul.

O caso uruguaio não difere muito do sul-africano. Aproveitando a visita de tantos especialistas ambientais ao Uruguai, foi realizada uma visita a duas localidades com experiências diferentes, como exemplos de modelos de produção que se contrapõem. “Por um lado, se conheceu o trabalho de moradores do Morro Alegre, no departamento de Soriano, que há dez anos sofre falta de água devido ao reflorestamento industrial que ocorre na região, afetando cem famílias”, explicou à IPS Elizabeth Díaz, integrante da organização ambiental Uruguai Guyaubira.

“Também visitamos a cidade de Tarariras, no vizinho departamento de Colonia, onde várias famílias vivem da agricultura graças a um modelo de produção diversificada. É um exemplo de como se pode trabalhar e viver no campo quando não há monoculturas”, destacou a ativista. Elizabeth Díaz disse que o grupo de ambientalistas reunido em Montevidéu chegou à conclusão de que “o modelo de produção baseado em monoculturas em grande escala é o mesmo em todo o mundo em desenvolvimento, com impactos muito semelhantes nas comunidades e no meio ambiente”. Envolverde/IPS