Cartaz do filme The Lady, do diretor francês Luc Besson, sobre a vida de Aung San Suu Kyi.

Bangcoc, Tailândia, 4/4/2012 – Com sua esmagadora vitória nas eleições do dia 1º, a dirigente política birmanesa Aun San Suu Kyi assume um novo papel como legisladora da oposição, deixando para trás 22 anos de existência como a mais famosa presa política de seu país.

A presença no parlamento desta mulher de 66 anos será apoiada pela de outros legisladores de sua Liga Nacional para a Democracia (LND), que teria obtido pelo menos 40 das 45 cadeiras em disputa em um Poder Legislativo bicameral de 664 membros, segundo diferentes pesquisas de boca de urna. Os resultados oficiais serão divulgados no dia 8.

“Não é um êxito nosso, mas do povo, que decidiu participar do processo político do país”, disse Suu Kyi a milhares de seguidores reunidos no dia 2 diante da sede da LND em Rangun, ex-capital do país. “Esperamos que isto seja o início de uma nova era, que ponha ênfase no papel do povo na política cotidiana”, destacou.

Os eleitores que lhe deram a vitória na terceira eleição realizada na Birmânia em 50 anos pertencem, sobretudo, à minoria étnica karen. Suu Kyi se candidatou a uma das 440 cadeiras da Pyithu Hluttaw (câmara baixa) como representante de Kawhmu, um empobrecido distrito dessa etnia, nos subúrbios de Rangun.

Ganhadora do Nobel da Paz em 1991, Suu Kyi tem entre suas prioridades a necessidade de instaurar um verdadeiro Estado de direito e reformar a Constituição de 2009. O Poder Legislativo em que está entrando está dominado pelo governante Partido da União, da Solidariedade e do Desenvolvimento, instrumento criado pela última junta militar, e por um bloco parlamentar de oficiais não eleitos por voto popular. A Birmânia sofre desde 1962 uma sucessão de regimes militares.

Na câmara baixa, o partido governante ocupa 219 cadeiras que obteve nas eleições gerais de 2010, acusadas de fraudulentas e boicotadas pela LND. E o bloco militar ocupa outras 110. Na câmara alta, a Amyotha Hluttaw, o oficialismo conta com 123 legisladores e os militares 56.

Os poucos assentos a derem repartidos na frente opositora incluirão a Força Nacional Democrática (FND), uma cisão da LND, e um punhado de partidos étnicos e de figuras independentes. Embora a LND tenha apenas um peso marginal, a gestão parlamentar de Suu Kyi é que determinará quanto espaço existe para uma “oposição leal” ao presidente e general da reserva, Thein Sein, no instável cenário político birmanês.

Além de exercer uma oposição construtiva ao reformista Sein – cujo governo quase civil está embarcado em desmantelar cinco décadas de opressão militar –, Suu Kyi terá que lidar com o influente chefe da câmara baixa, Shwe Man, também general da reserva que pretende liderar o movimento reformista.

“Todas as partes terão que se adaptar às novas realidades para manter o ritmo das reformas”, apontou Aung Naing Oo, subdiretor do Vahu Development Institute, um centro de estudos que pretende influenciar as políticas públicas birmanesas. “O governo terá que chegar a acordos pela primeira vez com uma voz poderosa como a de Suu Kyi no parlamento”. E ela deverá negociar com o oficialismo e os militares se quiser “crescer de parlamentar da minoria até promotora de novas leis”, disse o analista à IPS. “Isso significa inclusive chegar ao chefe do exército (general Min Aung Hlaing), que dirige o bloco militar.

A “surpreendente” presença de legisladores reformistas dentro do oficialismo pode ser campo fértil para que Suu Kyi assente suas credenciais opositoras, acrescentou Win Min, especialista em segurança nacional. “Ela já teve um encontro cordial com Shwe Man em uma recente visita à Naypidaw”, na capital.

Suu Kyi também poderia ter um papel de equilíbrio que “contribua para aliviar a atual tensão entre o parlamento e o presidente, pois ambos necessitam dela”, disse Min em uma entrevista. “O mandatário dela necessita para ajudar a levantar as sanções econômicas (impostas pelos Estados Unidos e pela União Europeia), e do líder da câmara baixa para ampliar sua influência”.

Para birmaneses como Zinn Linn, um exilado de 62 anos, residente em Bangcoc, uma oposição viva no parlamento recorda os tempos anteriores ao golpe de 1962. Os legisladores opositores “eram conhecidos por seus apaixonados debates e abertos desafios ao então primeiro-ministro U Nu. Os planos do governo estavam sob rígida vigilância”, recordou.

Os heróis opositores daquela época, entre eles o tio de Suu Kyi, Aung Than, integravam o bloco centro-esquerdista que desafiava o governo de U Nu, eleito chefe do primeiro governo nacional depois do fim do regime colonial. “A cultura política e parlamentar de então foi modelada pelas tradições britânicas, nas quais o papel opositor era aceito”, explicou Linn à IPS.

Depois das eleições gerais de 2010 havia poucas expectativas de se reviver esse espírito. Depois de tudo, as tradições parlamentares britânicas acabaram conduzindo a uma cultura militar dominante que sufocou toda oposição desde 1962. Mas a chegada de Suu Kyi pode modificar a equação.

“O governo habilitou esse espaço e foi recebido positivamente”, disse David Scott Mathieson, da organização humanitária Human Rights Watch, com sede em Nova York. “A oposição não está nem perto de ser forte, mas o que conseguiu aproveitando este limitado processo legislativo surpreendeu a muitos. Que Suu Kyi se some ativamente às suas fileiras ajudará nessa transição”, afirmou à IPS. Envolverde/IPS