A lógica sectária na Síria

Riad Hijab ocupava a pasta do Ministério da Agricultura antes de ser nomeado primeiro-ministro, em junho de 2012. Foto: ©AFP/Arquivo/Louai Beshara

A deserção do primeiro-ministro sírio Riad Hijab no domingo (5) é bastante significativa porque, como todos os que o precederam, sua confissão é sunita. Dezenas de militares, integrantes dos serviços de inteligência, diplomatas e políticos a desertar são sunitas.

A cúpula do presidente Bashar al-Assad está prestes a implodir. É questão de semanas, meses.

Em troca de cargos e regalias, quatro décadas atrás, a elite sunita aceitou integrar um governo dominado pelo pai de Assad, Hafez. A família dirigente é alauíta xiita, confissão a representar apenas 10% da população do país.

Até o início da guerra civil, 17 meses atrás, essas divisões religiosas não pareciam ser um problema na Síria. No entanto, pouco a pouco, a guerra civil revelou-se sectária – e não diferente daquela entre sérvios ortodoxos e bósnios muçulmanos, no inicio da década de 1990.

Ocorre que sunitas privilegiados da elite, como o premier Hijab, se deram conta do seguinte: as armas pesadas de Assad miram sunitas como eles. Segundo o porta-voz de Hijab, o ex-premier tomou sua decisão pelos “crimes de guerra e pelo genocídio” cometido pelo regime de Assad.

Hijab, vale recapitular, foi nomeado apenas dois meses atrás. Ao assumir o cargo de premier, ele não havia percebido a chacina de sunitas por parte do regime de Assad?

Na verdade, Hijab realizou que Assad tem seus dias contados, e, por isso, desertou, ou, como diz o governo sírio, foi destituído.

Assad, seus seguidores, bem como Hijab e desertores, e não deixemos de lado facções dos sunitas rebeldes, são todos uns cínicos aos quais interessa apenas o poder. Para piorar o quadro geopolítico global, estão no epicentro de uma região onde potências lutam pelas suas esferas de influência.

Não surpreende o fato de Hijab ter buscado refúgio na Jordânia para, em seguida, rumar para Catar, destino preferido de vários desertores sunitas. Catar, uma minúscula monarquia em fina sintonia com a poderosa Arábia Saudita, berço do wahhabismo e inseparável parceira de Washington, promove e financia movimentos fundamentalistas em todo o mundo árabe, inclusive na Síria.

Arábia Saudita, Catar e a Turquia, com a benção dos Estados Unidos e da União Europeia, querem o controle da Síria sob uma liderança sunita.

Por sua vez, Irã e Iraque, onde predominam xiitas, preferem manter Assad no poder. Da mesma forma, a Rússia e a China veem a Síria como sua última esfera de influência no Levante.

Certo é que a Arábia Saudita não quer uma saída pacífica para a crise. E nem o regime de Assad. Como vimos, Kofi Annan, mediador da ONU e da Liga Árabe, abandonou sua missão diplomática de paz.

Enquanto isso, o genocídio, ou tentativa de limpeza étnica, à imagem da Bósnia, continua. Mas, desta feita, o cenário é pior: poderá se transformar num conflito global.

* Gianni Carta é editor do site CartaCapital, jornalista e cientista político formado pela Universidade da Califórnia e mestre em relações internacionais pela Universidade de Boston. Foi correspondente da CartaCapital na Europa durante 17 anos. Em seus mais de 20 anos no exterior, também foi correspondente da IstoÉ, Diário do Grande ABC, repórter especial da BBC World Service, da rede de tevê norte-americana CBS e do semanário GQ (Europa). Contribuiu para, entre outros, The Guardian e Radio Five Live. Seu último livro é Às Margens do Sena (com Reali Jr., Ediouro, 2007).

** Publicado originalmente no site Carta Capital.