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À mercê de um dólar sem lastro em ouro

Madri, Espanha, 5/1/2012 – Ao manter o dólar sem o apoio de suas reservas em ouro, os Estados Unidos golpeiam duramente o resto do mundo e colocam obstáculos nas possíveis saídas da crise global, segundo o presidente da Confederação Latino-Americana de Cooperativas e Fundos de Trabalhadores, Luis Francisco Verano Páez. Baseando-se em abundante bibliografia, Páez documenta, em um estudo publicado na Revista Ibero-Americana de Autogestão e Ação Comunitária, como Washington apoia financeiramente as companhias transnacionais norte-americanas apesar da crise interna que precisa enfrentar.

O Federal Reserve (banco central) dos Estados Unidos “forneceu a bagatela de US$ 16,1 trilhões em empréstimos secretos a grandes corporações e empresas do setor financeiro durante a pior crise econômica” (1º de dezembro de 2007 a 21 de julho de 2010), recorda esta publicação, editada anualmente pela Universidade Politécnica de Valência (Espanha). Este apoio financeiro superou o produto interno bruto dos Estados Unidos, que em 2010 foi de US$ 14,5 trilhões, e é mais elevado do que a soma dos orçamentos do governo federal dos últimos quatro anos. Além disso, agregam-se outros aportes para o resgate de bancos no valor de US$ 100 trilhões.

O perigo aumenta para o mundo se considerarmos os problemas próprios da zona do euro, que “são a maior sombra sobre a economia global”, disse o norte-americano Kenneth Rogoff, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional e agora membro da Academia de Artes e Ciências dos Estados Unidos. Porém, os especialistas insistem que o maior perigo originado nos Estados Unidos é que sua moeda continua desligada de suas elevadas reservas de ouro, como determinou em 1933 o então presidente Franklin Delano Roosevelt (1933-1945), apenas iniciado seu mandato em meio à Grande Depressão nascida em 1929.

Apesar de o presidente John F. Kennedy ter restabelecido, pouco antes de ser assassinado em 1963, a ordem de que “apenas o Estado tem direito de imprimir moeda” e que esta “deve ter equivalência em ouro ou prata”, as posteriores necessidades de dinheiro para financiar a Guerra do Vietnã (1964-1975) fizeram com que essa determinação não fosse aplicada por seus sucessores na Casa Branca. Somente em 1971 o dólar, a última das moedas de reserva mundial acordada ao término da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), ficou livre de toda dependência do ouro. O presidente Richard Nixon (1969-1974) pôde, assim, emitir moeda ao seu gosto para enfrentar a crise financeira derivada da derrota no Vietnã.

Diante da severa crise que enfrentam Estados Unidos e União Europeia atualmente, os países do Sul procuram ampliar o mais possível a soberania econômica e financeira, para evitar que um agravamento do problema os afunde. A este respeito, o professor Antonio Colomer Viadel, da Universidade Politécnica de Valência, disse à IPS que, para obter certa invulnerabilidade, os grupos baseados no trabalho, como cooperativas, fundos, organizações comunitárias e fundações sem fins lucrativos, devem integrar-se, “o que permitirá uma economia de escala baseada no apoio mútuo e nos recursos compartilhados”. Além disso, este setor deve contar com meios próprios financeiros, comerciais, tecnológicos e formativos, entre outros, acrescentou.

Nessa linha, Viadel recomenda que se tome como referência o que foi realizado pela Colômbia com base em uma lei aprovada em 1998, quando estabeleceu um fundo para o fomento da economia solidária com contribuições do próprio setor, bem como da poupança popular e dos orçamentos do Estado. Entretanto, recorda, o governo colombiano deixou em suspenso o fundo de financiamento, “que era uma ferramenta fundamental para o desenvolvimento”, daí a necessidade de “mobilizar a consciência da sociedade civil para que a poupança popular esteja basicamente a serviço desse setor solidário”.

Sobre esta situação, o secretário-geral da União Geral de Trabalhadores, Cándido Méndez, declarou à IPS que é necessário garantir o futuro do euro, já que, se se permitir que siga o caminho atual, esta moeda pode se converter na referência histórica de uma devastação financeira, política e social. Para enfrentar com sucesso a crise financeira, Méndez considera que é preciso um amplo acordo social para conseguir fortalecer o crescimento econômico, bem como a criação de postos de trabalho “e a defesa de nosso patrimônio mais valioso, como é o estado de bem-estar e o modelo social europeu implantados desde que foi criada a União Europeia”.

Um aspecto positivo que se deveria aprofundar é a eliminação da desigualdade de renda nas famílias que existe atualmente na Espanha, que é menor do que a de Estados Unidos, Itália, Portugal e Grã-Bretanha, mas superior à registrada por Alemanha e França. Uma dezena dos espanhóis mais ricos conseguiram ganhar no ano passado 6% a mais do que em 2010. Entre eles, o patrimônio soma 37,7 bilhões de euros (quase US$ 50 bilhões), valor equivalente à redução de déficit público que pretende fazer o governo do primeiro-ministro Mariano Rajoy este ano, para baixá-lo de 8% para 4,4%.

Um informe da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) indica que a desigualdade no mundo está em seu nível mais alto do último meio século, já que os 10% da população mais rica recebia, ao fim da década passada, nove vezes mais renda do que os 10% mais pobres, enquanto em meados dos anos 1980 a diferença era de sete vezes.

No informe destaca-se que nos Estados Unidos a brecha é muito maior, já que o nível de renda dos que recebem mais é 15 vezes superior ao restante. Embora também se destaque a situação na América Latina, onde no Chile os 10% mais ricos da população recebem 27 vezes mais do que os mais pobres, seguido de perto pelo México, onde a diferença é de 25 vezes, bem maior do que na Espanha, onde chega a 11 vezes.

Diante deste cenário, o diretor do departamento de emprego e assuntos sociais da OCDE, John Martin, defende o aumento dos impostos para os mais ricos, em especial para o 1% que tem renda mais elevada e, também, que se atue contra os paraísos fiscais para conseguir transparência financeira. Envolverde/IPS