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A mudança climática força as migrações

Cidade do México, México, 2/9/2011 – “Plantamos, mas a milpa (terra) já não dá. É que chove muito, mais do que no ano passado, e a colheita foi perdida”, conta a indígena meph’aa Ermelinda Santiago, prejudicada, como o resto de sua comunidade Francisco I. Madero, pelo efeito das variações do clima na agricultura do sul do México. Esta mulher, de 25 anos, está entre os milhares de indígenas que a cada ano emigram desde o município de Tlapa e arredores, no Estado de Guerrero, no sul, para o norte do país em busca de trabalho na coleta de fruta e verdura.

Tlapa, um dos locais mais pobres do México, sofre desmatamento, seca intermitente e chuvas torrenciais, por isso a agricultura não é uma opção econômica para seus moradores. Casos como o desta região de Guerrero podem servir de exemplo para a possível relação entre mudança climática e migrações, um tema que começa a ser alvo de estudo no México, país vulnerável aos efeitos de fenômenos como secas prolongadas, degradação do solo, chuvas devastadoras, escassez de água e aumento do nível do mar.

“As migrações estão se modificando devido à mudança climática, que está tendo um impacto maior. Em vários Estados as pessoas emigram mais”, disse à IPS Andrea Cerami, advogado do não governamental Centro Mexicano de Direito Ambiental (Cemda). Junto com fatores como pobreza, trabalho e segurança, a devastação ambiental se converte em um elemento adicional por trás da emigração, tanto interna quanto externa.

Anualmente, cerca de 500 mil pessoas emigram do México para os Estados Unidos, lugar de residência para aproximadamente oito milhões de cidadãos mexicanos que não possuem os documentos necessários, segundo organizações especializadas nessa área. O Instituto Nacional de Estatística e Geografia estima que os Estados receptores de maior quantidade de migrantes internos são Cidade do México, Jalisco, Baja Califórnia (na fronteira com os Estados Unidos) e Quintana Roo, enquanto dos territórios do centro, sul e meio-oeste sai o maior número de emigrantes.

A Organização Internacional para as Migrações define o migrante ambiental como “pessoas ou grupos de pessoas que por culpa de mudanças no meio ambiente inquestionáveis, súbitas ou progressivas, que afetam de forma negativa suas vidas ou suas condições de vida, são obrigadas a deixar seus lares, ou decidem fazê-lo voluntariamente”.

“A mudança climática não é necessariamente a principal razão para as pessoas partirem. O fazem em busca de opções de emprego que não encontram em seus lugares de origem. Ainda não é a grande razão, mas tem seu papel”, disse à IPS a mexicana Patricia Romero Lankao, do norte-americano Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica (NCAR). Lankao e seus colegas Hua Qin e Melissa Haeffner desenvolvem a pesquisa intitulada “Deslocamento ou Adaptação? Mudança Climática e Migração no México”, apresentada em junho de 2010, durante a conferência internacional “Mudança Climática e Migração no Século 21”, realizada em Oslo.

Nos primeiros semestres de 2010 e 2011, o mexicano sofreu secas intensas, enquanto o sul e o sudeste sofreram chuvas torrenciais, nos dois casos com sérias consequências sobre a produção agrícola, assentamentos humanos e infraestrutura. Os maiores quatro furacões registrados desde 2005 no México afetaram 650 mil pessoas, enquanto as inundações provocaram 500 mil deslocados entre 2003 e o ano passado, segundo o projeto das pesquisadoras do NCAR. Várias pesquisas recentes parecem ter identificado uma ligação entre os fenômenos climáticos e os movimentos humanos em território asteca.

Em seu estudo deste ano “As Dimensões Ambientais da Emigração da Área Rural do México”, Lori Hunter, Sheena Murray e Fernando Riosmena, da Universidade do Colorado (Estados Unidos) em Boulder, descobriram que “as famílias sujeitas a condições de seca são muito mais inclinadas a enviar um emigrante em comparação com aquelas sujeitas a condições úmidas”. Estes especialistas se basearam em dados obtidos entre 1987 e 2005, procedentes de 24.132 famílias, com um total de 117.040 pessoas, de 66 comunidades rurais de 12 Estados. A pesquisa mostrou uma variação substancial nos regimes de chuva com cerca de 23% da mostra sujeitos a uma seca no ano da pesquisa.

Além disso, 13% sofreram seca no ano anterior à pesquisa e 3,6% foram por ela afetados nos dois anos. Ainda segundo a pesquisa, 28% experimentou um ano chuvoso na data da consulta, enquanto 23% o viveu no ano anterior e 7% nas duas ocasiões. No entanto, Shuaizhang Feng, Alan Krueger e Michael Oppenheimer, da Universidade de Princeton (Estados Unidos), concluíram que a perda de 10% ou menos das colheitas mexicanas poderia ocasionar um aumento na emigração para o norte entre 1,4 milhão e 6,7 milhões de pessoas.

Em 2010, estes especialistas publicaram na revista Procedimentos da Academia Nacional de Ciências seu trabalho intitulado “Vínculos entre a Mudança Climática, as Colheitas e a Migração Transfronteiriça entre México e Estados Unidos”. Até 2050, o número de imigrantes no mundo por razões ambientais pode chegar a 200 milhões, segundo o Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática.

A figura do imigrante ou refugiado ambiental não aparece na Convenção de 1951 da Organização das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados nem na Declaração de Cartagena sobre Refugiados, de 1984. “Devido à falta de adoção de medidas de adaptação à mudança climática pelo Estado mexicano, a população deste país afetada estaria obrigada a se deslocar e emigrar em direção aos Estados Unidos, principalmente”, afirmou Cerami.

“O México será um laboratório muito importante. A evidência empírica que revisamos nos diz que, com tudo e secas, o que move os agricultores são mercados e opções. As migrações circulares, aqueles que regressam às suas comunidades, é mais interessante e deve ser explorada”, afirmou Romero Lankao, cujo trabalho utiliza um modelo que une a vulnerabilidade das comunidades, o capital e opções de vida e a migração.

“Temos de emigrar, porque não há comida. Estamos sofrendo por falta de recursos econômicos”, lamentou Ermelinda Santiago, que começou a emigrar aos sete anos de idade e agora é mãe de um menino de quatro anos. Sua mãe foi atropelada em meados de agosto em uma estrada de Chihuahua durante a colheita de pimenta picante chileno. Envolverde/IPS