Arquivo

A nova Líbia espera seu primeiro turista

"Tínhamos que enviar à polícia um informe de cada grupo de turistas", contou Habib Dwek, recepcionista em um hotel de Trípoli. Foto: Karlos Zurutuza/IPS

Trípoli, Líbia, 3/11/2011 – “Uma encruzilhada de continente e antigos impérios, um lugar onde a história ganha vida por meio de extraordinários monumentos à beira do mar”, diz um popular guia turístico sobre a Líbia. Tudo continua ali. Só falta os visitantes retornarem. Trípoli praticamente recuperou a normalidade desde que ficou nas mãos dos rebeldes, que derrubaram e assassinaram o ex-governante Muammar Gadafi. Hoje já não se ouve mais disparos, a não ser os das intermináveis celebrações a cada noite.

Os inúmeros pequenos restaurantes da cidade começam a ficar cheios, o mesmo acontecendo com salões de barbeiro e padarias. Até os caixas automáticos de bancos voltam a funcionar. A varanda de um café que acaba de ser inaugurado na parte antiga da cidade é ponto de encontro dos jovens mais sofisticados, que consomem capuccinos, batidas e tortas a preços ocidentais. Porém, o clima não poderia ser mais diferente a poucos metros dali.

“Mantenho a loja aberta caso algum jornalista que resta em Trípoli queira comprar um cartão postal”, disse Mohammad Bariani em seu comércio bem ao lado do imponente arco romano de Marco Aurélio. Porém, o número de correspondentes estrangeiros diminui conforme os dias passam. “Agora que a guerra acabou e Gadafi foi enterrado, duvido que alguém mais entre aqui”, lamentou Bariani, que pensa em fechar definitivamente sua loja.

Também junto ao impressionante monumento romano fica o hotel Zumit, um antigo edifício otomano do Século 19 cujos quartos possuem televisão via satélite e acesso à internet. “Sobrevivemos graças ao restaurante. Do contrário, não estaríamos abertos agora”, disse Habib Dwek na recepção. No ano passado, nesta época, este jovem de 27 anos teria apenas um minuto para conversar conosco.

“Costumávamos estar lotados sempre”, recordou um melancólico Dwek sobre uma xícara de café árabe. “A cada semana chegava um grupo desejoso por visitar nossos monumentos romanos. Sabia que em nenhum outro lugar do mundo são conservados como aqui?”, acrescentou o recepcionista. A rotina diária nessa época não parecia limitar-se apenas ao registro de novos hóspedes. “Tínhamos que enviar um relatório à polícia sobre cada grupo, especialmente se fosse de norte-americanos ou britânicos. A polícia costumava aparecer por aqui para verificar se a informação que dávamos era correta”, explicou.

“Os turistas eram escoltados desde o momento em que colocavam o pé na Líbia até o dia em que partiam”, contou Izmail Eluonsi, que gerencia há anos a agência de turismo Echo Libya. “Se um dos turistas abandonava o grupo em algum momento, isso se convertia em um grande problema para nós. Muitos companheiros foram obrigados e fechar por essa razão”, acrescentou.

A oferta destas agências era muito atraente. “Tínhamos duas viagens de 11 dias: o primeiro pacote e mais popular se centrava nos sítios arqueológicos do norte do país, e o segundo era uma dessas aventuras em veículos 4×4 pelo deserto do Saara”, contou Eluonsi, cujos antigos clientes foram substituídos por empresários em busca de gás e urânio. E Gadafi foi enterrado em algum lugar desse deserto que os turistas cruzavam em suas caminhonetes.

A Autoridade Geral de Turismo e Artesanato é o órgão mais parecido com um ministério do setor na Líbia atualmente. Seu prédio austero e de cor ocre não é em nada atraente, salvo para alguém com algum interesse na arquitetura soviética.

De seu escritório com vista para o cada vez mais movimentado Porto de Trípoli, Mohammad Fakron, diretor de Cooperação Internacional do Conselho de Transição, fez um retrospecto do complexo passado do qual também foi parte. “Gadafi mudava constantemente a legislação. O que ontem era um ministério logo se convertia em um departamento geral, e vice-versa”, contou o funcionário que maiores chances tem de se converter no futuro ministro do Turismo.

“A Líbia oferece desertos, montanhas e cinco lugares protegidos pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), e tudo bem perto das principais capitais europeias”, destacou Fakron. “Apesar disso, Gadafi manteve o país fechado para o turismo até 1990”, acrescentou, lembrando que melhorar a segurança e a infraestrutura é fundamental para recuperar o setor. “Acredito que poderemos garantir plenamente a segurança em todo o país no começo de 2012”, afirmou à IPS.

Como a cada dia nos dois últimos meses, uma multidão agitando bandeiras tricolores se reúne ao anoitecer na agora denominada Praça dos Mártires (ex-Praça Verde). Icham Aduli, de 39 anos, trabalhou durante 20 como guia turístico, quase até o mesmo dia em que teve início, em fevereiro, o levante contra Gadafi. Aduli ainda acredita que poderá recuperar sua antiga profissão, mas não parece que isso acontecerá logo.

“Retirar os escombros e reconstruir o país não deveria ser complicado”, disse Aduli em excelente inglês. “O problema é que nosso setor é muito sensível. Estou certo de que vai demorar pelo menos cinco anos para que os potenciais turistas se convençam de que este é um país seguro para visitar”, acrescentou, antes de se dirigir ao restaurante onde trabalha enquanto espera pelo renascimento do turismo na Líbia. Envolverde/IPS