“Na sociedade da informação, o papel do(a) líder é, sobretudo, o de ser um catalisador(a) de recursos para a mudança, promovendo e nutrindo o potencial humano. Características femininas tais como empatia, cuidado, ganham um lugar de destaque no modelo de liderança do Século 21.”
Riane Eisler, autora de O Cálice e a Espada.
A famosa frase de Einstein: “os problemas não podem ser resolvidos com o mesmo tipo de consciência que os criou” mostra que precisamos de novas lideranças inspiradas por uma nova maneira de sentir, pensar e agir. O modelo de liderança “masculino” baseado na força, no comando e no controle, foi útil numa época em que a organização das relações humanas se dava num contexto de baixa tecnologia e marcada pela tradição. Na medida em que a tecnologia substitui a necessidade da força humana bruta, em que a informação e a comunicação se tornam acessíveis a um grande contingente de pessoas e passam a ser administradas por elas, essas práticas arcaicas de exercício do poder tendem a não funcionar mais.
Uma nova forma de liderança – o modelo da parceria
Quando a maioria de nós pensa em sistemas sociais, vêm à nossa mente categorias como direita ou esquerda, religião ou secularismo, oriente ou ocidente, capitalismo ou comunismo, Norte e Sul, industrial ou pós-industrial. No entanto, ao examinar as sociedades, verificamos que apesar da diversidade – transcendendo diferenças como tempo, local, desenvolvimento tecnológico, estrutura familiar, origem étnica e orientação religiosa – sobejam configurações. A mais comum, dominante em nossa cultura, está baseada nas hierárquicas de dominação e controle. A outra, indica um modo de vida mais igualitário e sustentável: o modelo da parceria.
Um aspecto fundamental do movimento rumo ao modelo de parceria associado a esse novo paradigma é a redefinição de poder e liderança de acordo com modos mais estereotipicamente femininos. Quando falamos de estereótipos femininos, não estamos falando de nenhum aspecto inerente às mulheres ou aos homens. Alguns homens podem ser empáticos, cuidadosos, enquanto muitas mulheres não o são. O sistema é tão contaminado pela valorização do masculino que muitas mulheres, quando chegam a postos altos nas hierarquias, sentem que precisam mostrar que não são “delicadas” ou “femininas”. Também queremos enfatizar que existem características estereotipicamente masculinas que são positivas e imprescindíveis para liderar sistemas complexos como o que vivemos. Assertividade, raciocínio lógico, espírito de aventura e coragem são estereotipicamente masculinos – e são admirados, independentemente de serem encontrados em mulheres ou em homens.
A questão fundamental é que as mulheres, como grupo, foram socializadas para traços e atividades para os quais também os homens precisam ser socializados – em um mundo complexo onde líderes que inspiram, nutrem e empoderam as pessoas são essenciais. A questão principal é que existem diferenças óbvias entre mulheres e homens plasmadas na cultura como desigualdade. A separação entre masculino e feminino é nossa herança de tempos remotos quando as mulheres eram estritamente barradas de posições de liderança e de poder. Assim, tudo que era considerado feminino era menosprezado. Outra parte desta herança de dominação está na crença de que um estilo de liderança e gestão baseado no medo, institucionalmente insensível e quase sempre abusivo e desumano, era um requisito para a ordem social e a produtividade econômica.
A atual literatura de desenvolvimento organizacional e de gestão propõe que, particularmente na economia do conhecimento, na era pós-industrial, um novo estilo de liderança e gestão baseado no respeito, na responsabilidade compartilhada e no empoderamento é fundamental para a produtividade econômica, na verdade, para a sobrevivência e a sustentabilidade da economia e do planeta.
Embora, a colaboração, e não a hierarquização, seja um princípio importante das parcerias, todas as organizações e estruturas precisam de algumas hierarquias ou linhas de responsabilidade. Estas hierarquias, porém, são bem diferentes no contexto das parcerias. São hierarquias de atualização, ao invés de hierarquias de dominação. Nas primeiras, os gestores, os professores, os pais e outros em posição de autoridade funcionam como mentores e facilitadores que auxiliam. Entende-se que qualquer pessoa pode assumir um papel de liderança e não somente aqueles que detêm a autoridade formal de exercê-la. O enfrentamento dos problemas brasileiros só poderá acontecer se articulado em termos de um modelo de gestão que cultive a cultura da parceria.
Soluções para a pobreza
No Brasil, como em todo o planeta, as mulheres continuam sendo a grande maioria entre os pobres; prova disto é que pelo menos seis dos oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio dizem respeito a aspectos que visam a trazer benefícios diretamente para a população feminina: erradicar a fome e a extrema pobreza, atingir o ensino básico fundamental, promover a igualdade de gênero e a autonomia das mulheres, reduzir a mortalidade infantil, melhorar a saúde materna. Em suma, essas metas falam em valorizar o papel que a mulher desempenha na sociedade. A boa notícia é que o investimento na mulher beneficia toda a família. Quando se investe na saúde, na educação e na geração de renda das mulheres, as crianças são mais saudáveis e passam a ter melhor rendimento escolar, como mostram inúmeras pesquisas feitas no Brasil e em outros países.
Há uma forte correlação entre a cidadania da mulher e a qualidade de vida da população de um país, como mostra estudo feito pelo Centro de Estudos sobre Parceria dos Estados Unidos que comparou dados de 89 países (www.partnershipway.org). O status da mulher passa a ser um indicador para o teor da qualidade de vida mais significativo do que o próprio Produto Interno Bruto, que pode facilmente mascarar traços culturais de desigualdade de gênero, raça e de concentração de renda.
Na sociedade pós-industrial, o investimento no capital humano é central para o desenvolvimento dos países e das economias. Precisamos, então, de invenções econômicas que reconheçam e valorizem o trabalho materno e paterno, o trabalho de cuidado com as crianças, o trabalho de proteção do meio ambiente, fundamental para a saúde das pessoas. O mundo corporativo vem acordando para essa necessidade e tornando central o investimento no capital humano. Empresas que estão na ponta da inovação, como a Google, priorizam o bem-estar das pessoas, o que inclui dar flexibilidade de horários e locais de trabalho para mães e pais, de modo que possam cuidar bem de seus filhos e filhas. Muitos governos também têm incorporado a questão do investimento no capital humano principalmente por meio de políticas que valorizam e criam condições para o cuidado com as crianças e a participação comunitária.
Um primeiro passo rumo a uma nova economia de parceria é mudar a forma de medir a produtividade. Hoje o PIB contabiliza atividades que destroem a vida e nosso hábitat – o desmatamento das florestas é traduzido e contabilizado pela venda desses ativos como produtos. A perda de nosso rico patrimônio de espécies de flora e fauna é invisível, da mesma forma que a venda de cigarros é contabilizada pelo lucro que gera para a cadeia produtiva e não pelos custos médicos e funerários relativos aos danos de saúde. Apesar de inúmeras discussões a respeito, essas atividades destrutivas continuam figurando como lucrativas no PIB. Este também não considera o trabalho não remunerado de desenvolvimento humano realizado pelas mulheres, seja ele realizado no âmbito doméstico ou comunitário, onde as mulheres costumam ser voluntárias – mesmo que estes serviços contribuam sobremaneira para o bem-estar social dessas pessoas.
Obviamente, o que não é contabilizado não é considerado nas políticas públicas. Para mudar precisamos de lideranças capazes de fazer estas conexões e ajudar a tornar esse trabalho de desenvolvimento e cuidado humano visível, amparado pelas políticas públicas e por uma mudança cultural, capaz de entender o investimento no capital humano como fundamental para o avanço de uma nação na sociedade da informação.
Um importante passo rumo à economia da parceria é incluir nas análises econômicas a distribuição econômica intrafamiliar. Uma das principais razões para a correlação entre uma baixa qualidade de vida e um baixo status para as mulheres em segmentos mais pobres no Brasil é o padrão distorcido da distribuição de recursos dentro da família. Há efeitos sistêmicos que resultam deste fenômeno. Filhos(as) de mulheres mal nutridas geralmente nascem com saúde precária e têm um desenvolvimento inferior. Sem falar que, ao longo de toda a infância, as mães continuam a ser fundamentais para o desenvolvimento de crianças e jovens. Apesar das estatísticas apontarem para um número significativo de mulheres chefes de família, no Brasil o IBGE aponta 30% de famílias chefiadas por mulheres, mas sabe-se que na realidade esse número é maior. O pressuposto, no entanto, continua a ser que a chefia da família é masculina.
Como estamos tratando de causas sistêmicas, a violência doméstica também é uma das causas da perpetuação da desigualdade. Precisa ser coibida, tanto a do homem sobre a mulher, mas também dos pais sobre as crianças. A construção de uma sociedade sustentável e moderna requer atenção especial a essas questões que acabam por determinar as bases culturais de um país e seu potencial de evolução no Século 21.
* Thais Corral é codiretora do Global Leadership Network e presidente do Conselho da Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Lideranças (ABDL)
** Publicado originalmente pela Eco 21, edição 174, de maio de 2011.