O Brasil está desenhando uma “nova” política nacional de informática, cujo propósito aparente é a atração de grandes empreendimentos globais de tecnologias de informação e comunicação para o país, seja na forma de laboratórios de pesquisa e desenvolvimento ou fábricas.
E a palavra correta parece ser atração mesmo, e não criação. Sendo de “atração”, o efeito que teremos, se tudo correr bem, será um certo número de operações internacionais se instalarem no Brasil, quase sempre para suprir o mercado local. Isso porque os incentivos oferecidos como parte da nova política compensam o custo de importação e o risco de contrabando, mas não nos tornam competitivos (por razões amplamente conhecidas) no mercado global.
Sob vários aspectos, estamos entre os maiores mercados mundiais de informática e telecom. E temos importado insumos e produtos de tal forma, que as luzes vermelhas da balança comercial acenderam no planalto há tempos. Vale a pena lembrar que seriam necessárias mais de três vezes as exportações do complexo de soja só para compensar o déficit da balança comercial de eletro-eletrônicos previsto para 2011, acima de trinta bilhões de dólares.
Tivéssemos cuidado da política de informática original, lá das décadas de 70 e 80, é provável que o Brasil estivesse em outro patamar de competências tecnológicas, industriais e negociais, no espaço global, em tecnologias da informação e comunicação. Mas qualquer análise da política de informática original vai descobrir que seu fracasso se deveu ao fato dela ter se tornado nada mais que uma política de substituição de importações para um mercado fechado.
Parecidíssima, por sinal, com a “velha” e original política industrial que “trouxe” a indústria automobilística para o país. Temos um dos maiores mercados de automóveis do mundo, muitos fabricantes internacionais aqui instalados e vivendo de um “lucro Brasil” que não existe em nenhuma outra geografia. Mas nenhuma fábrica brasileira de volume e classe mundial. Agora [como se não bastasse…], estamos sofrendo uma invasão de fábricas chinesas e produtos idem..
TICs tem que ser uma das grandes estratégias nacionais na economia e indústria do conhecimento. Porque é um grande mercado em si mesma e porque é transversal, sendo parte considerável dos insumos de quase todas as outras cadeias de valor.
Estamos vivendo o auge, talvez, da onda mundial de inovação em torno de TICs. É muito provável que, dentro de 20, 30 anos, estejamos atrasados, como estamos hoje, dentro de outra onda mundial de inovação centrada em sustentabilidade, sistemas holísticos, biológicos, engenharia genética e o que mais.
O nosso tempo seria, pois, uma das últimas oportunidades para “acertar o passo” do que poderia vir a ser uma política nacional de competitividade no cenário mundial de tecnologias de informação e comunicação.
Mas, ao definir uma política de atração de labs e indústrias já estabelecidas no mercado mundial, sob pressão de uma balança comercial insustentável no médio prazo [resultado dos múltiplos erros de políticas anteriores], será que isso também é um reconhecimento tácito da baixa capacidade tecnológica, investidora, inovadora e empreendedora do brasil e dos brasileiros?
Ao centrar o que deveria ser uma política nacional de inovação em informática na atração de empreendimentos globais para substituição de importações, aliado a obrigações de um “processo produtivo básico” que exige conteúdo nacional relevante no longo prazo, será que estamos cientes da complexidade da verificação do atendimento de tal determinação… e aparelhados para cobrar das indústrias? fizemos uma avaliação de como isso foi feito na política de informática [quase] passada e estamos contentes com os resultados?
As obrigações de investimento da política de informática em vigor resultaram na contratação de muitas centenas de milhões de reais em pesquisa, desenvolvimento e inovação no país, pelas empresas beneficiárias da lei vigente. Dito isto, as evidências de que tal investimento tenha resultado em aumento significativo de conteúdo nacional em equipamentos e sistemas produzidos por aqui são pontuais. E não há sinal de que o investimento em P, D e I tenha aumentado a competitividade internacional da produção de base nacional.
Depois de quarenta anos da primeira política de informática, aquela da reserva de mercado total, depois muito flexibilizada, a impressão que se tem é que estamos revisitando o ponto de partida, sem revisitar as razões pelas quais, de lá pra cá, continuamos pouco competitivos no mercado global.
O problema de falta de competitividade da indústria brasileira é estrutural e de dificílima solução. Tratá-lo de forma adequada exigiria mudanças radicais até nas receitas e gastos públicos. Daí porque atacar a conjuntura, o que é muito mais fácil e dá retornos e resultados aparentes em prazos muito mais curtos.
O danado é que as soluções conjunturais para problemas estruturais não são sustentáveis… razão pela qual… estamos onde estamos e, pelo andar da carruagem das soluções nacionais, onde ficaremos por muito, muito tempo ainda.
* Silvio Meira é fundador do http://www.portodigital.org/ e cientista-chefe do http://www.cesar.org.br/site/, escreve mensalmente para a Folha de São Paulo.
** Publicado originalmente no site EcoD.