Genebra, Suíça, 22/5/2012 – As organizações não governamentais da América Latina especializadas em questões sanitárias deixaram de confiar na Organização Mundial da Saúde (OMS), afirma o médico Francisco Rossi. Somente interessa um tratado que permita a pesquisa e o desenvolvimento de medicamentos para o mundo pobre, acrescentou.
“O que acontece é que perdemos o interesse pela OMS como cenário”, explicou à IPS este epidemiologista, diretor da fundação colombiana Ifarma, uma entidade de pesquisa e consultoria sobre temas ligados a acesso, uso e qualidade de remédios, integrante da Ação Internacional para a Saúde, com sede em Amsterdã.
O único aspecto da OMS que ainda atrai a atenção das ONGs da região é a discussão de um tratado proposto por um grupo de trabalho de especialistas internacionais sobre saúde pública, inovação e propriedade intelectual.
Estes especialistas propõem à OMS adotar uma convenção vinculante para criar um mecanismo internacional que permita arrecadar fundos destinados a financiar atividades de pesquisa e desenvolvimento de medicamentos imprescindíveis, a fim de atender enfermidades que afetam as populações do Sul pobre.
O mecanismo é sugerido para preencher o vazio deixado pelo desinteresse dos grandes laboratórios farmacêuticos transnacionais em investir nesta área. A iniciativa será debatida na Assembleia Mundial da Saúde, que começou ontem, 21 de maio, e vai até dia 26, em Genebra.
Em conversa com a IPS, Rossi disse que, “a não ser pela discussão sobre esse tratado, que parece muito promissor mas que é o princípio de um longo debate, nos demais temas nos parece que a OMS já deixou de ter interesse”.
IPS: Quais objeções fazem à OMS e à sua Assembleia Mundial da Saúde?
Francisco Rossi: Para os latino-americanos essa assembleia se converteu no debate de um organismo que já é um paquiderme, muito longe de sua gente.
IPS: Mas não esperam nada em questões de saúde da América Latina, como ações sobre enfermidades como dengue, mal de Chagas ou malária?
FR: Da Assembleia, não.
IPS: Por quais razões?
FR: Digamos que nossos ministérios da Saúde da região e nossas organizações não consideram que a Assembleia mantém uma vigência como espaço de discussão, de debate, ao qual ninguém tem interesse de assistir.
IPS: Vocês se sentem mais cômodos com a Organização Pan-americana da Saúde (OPS)?
FR: Não, a OPS está pior.
IPS: Por que?
FR: Dá a impressão de que ficaram em outras discussões, mais políticas. Por exemplo, neste momento para a América Latina é muito mais importante o que pensa o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) ou o Banco Mundial do que possam estar pensando a OPS ou a OMS. Porque essas entidades financeiras ocupam um espaço que estas perderam.
IPS: Do ponto de vista financeiro, mas do ponto de vista sanitário também?
FR: Do ponto de vista normativo, inclusive. Do ponto de vista dos debates.
IPS: Onde percebem o peso dessas duas instituições financeiras na saúde?
FR: Na Colômbia, na Argentina e no Brasil.
IPS: Como o BID e o Banco Mundial podem ser determinantes em saúde?
FR: O BID e o Banco Mundial estão dando créditos a países para discutirem reformas nos sistemas de saúde e ajustes nos seguros de saúde. Neste momento há um debate em vários países sobre como definir mecanismos de financiamento para medicamentos, especialmente os de alto custo, enquanto a OMS e a OPS discutem sobre o que fazer com o Fundo Global de Luta contra HIV/aids, Malária e Tuberculose, sendo que a América Latina está fora dele porque a maioria de seus países é de renda média.
A impressão é que já não é o fórum das discussões centrais de saúde. É grave. Só o que existe de positivo é que a Unasul (União Sul-americana de Nações), que está se convertendo em um movimento interessante, tem o interesse em levar especialmente este tema do tratado (por medicamentos) à discussão na Assembleia com uma posição conjunta de todos os países da região. Mas nos últimos 10 anos, especialmente nos últimos cinco, a OMS perdeu vigência.
IPS: A crise econômica global incide na marcha da OMS?
FR: A crise é um pretexto, porque muitos dos países que antes apoiavam as ONGs aproveitaram essa desculpa para se aproximarem mais da indústria, à qual não agrada a postura que a sociedade civil vem defendendo na última década. Na União Europeia isso é claríssimo. Esse bloco prefere financiar indústrias que são estratégicas em lugar de fazê-lo com as ONGs, que são críticas.
A seca de financiamento para as ONGs é brutal, e o argumento é a crise. Mas, no final, os governos destinam os recursos para pagamento da dívida financeira ou para investir em indústrias estratégicas e não em área de desenvolvimento.
Isso é muito duro porque as pessoas que estavam nas ONGs têm de buscar outros trabalhos e assim desaparecem as vozes de protesto ou, ao menos, as chamadas de atenção.
Na Espanha, discutiu-se durante meses as reduções nos orçamentos de educação e saúde, mas em um dia decidiu-se destinar a mesma quantia desses cortes para financiar um banco em dificuldades (Bankia). Envolverde/IPS