Genebra, Suíça, abril/2011 – Uma característica incomum da crise financeira global é que, para os países em desenvolvimento (PD), a orquestra financeira parece ter recuperado o ritmo da música. Enquanto muitas economias avançadas (EA) continuam tropeçando com o aumento da dívida, estreiteza financeira e riscos de insolvência ou deflação, o problema financeiro para a maioria dos PD é a inflação de ativos, expansão do crédito e valorização de suas moedas.
Exceto por uma breve interrupção em 2008, os PD continuam recebendo amplas entradas de capitais enquanto as mais importantes EA respondem à crise causada pela liquidez e pelas dívidas excessivas mediante ainda mais quantias de liquidez para o resgate de bancos e governos em problemas, e baixando as taxas de juros. A expansão monetária e as taxas de juros próximas de zero estão impulsionando uma onda de fluxos de capitais especulativos para os PD, com juros maiores e melhores perspectivas de crescimento, criando-se bolhas nos mercados de câmbio, bens, créditos e matérias-primas.
Este é o quarto boom de inundação de capitais para os PD no pós-guerra. Os auges econômicos anteriores também começaram sob condições de rápida expansão da liquidez e excepcionalmente baixas taxas de juros nos Estados Unidos e todos terminaram com quebras. O primeiro boom finalizou com uma crise da dívida na América Latina nos anos 1980, quando a política monetária norte-americana endureceu. O segundo acabou com uma súbita retirada dos prestamistas na Ásia do Leste, quando endureceram as condições financeiras nos Estados Unidos e, ao mesmo tempo, se deterioraram as posições macroeconômicas e externas dos países receptores. O terceiro período de auge foi paralelo à bolha dos créditos hipotecários de risco (subprime) e acabou no colapso da Lehman Brohters e na fuga de capitais no final de 2008, mas foi seguido por uma rápida recuperação em 2009.
Como nesses episódios, a atual onda de capitais está criando fragilidade nos PD. Países com déficit, como Brasil, Índia, África do Sul e Turquia, estão experimentando uma valorização de suas moedas mais rapidamente do que as economias com superávit e contam com a entrada de capital para enfrentar o crescente déficit externo. Aqueles que mantêm boa posição financeira, agora se deparam com bolhas de crédito e ativos. Os dois tipos de países agora estão expostos ao risco de instabilidade em maior medida do que durante a débâcle dos subprime, embora de maneiras diferentes.
É quase impossível prever o rumo que seguirá o capital, mas é visível que as condições que empurram o boom são claramente insustentáveis. Pode-se presumir que as historicamente baixas taxas de juros nas EA não podem ser mantidas indefinidamente, e que o auge terminará quando as taxas de juros nos Estados Unidos começarem a subir pouco a pouco. Também pode terminar como resultado de uma crise de balança de pagamentos ou uma desordem financeira em uma das principais economias emergentes que possa produzir contágios através do mundo em desenvolvimento, inclusive sem o endurecimento das condições monetárias norte-americanas.
Nos Estados Unidos, há agora um risco de deflação e o Federal Reserve aponta para criar inflação nos mercados de bens e ativos. Porém, suas políticas estão incentivando o boom das matérias-primas, a expansão do crédito e os fluxos de capitais para os PD. Se os preços das commodities forem sustentados por um forte crescimento na China, o maior importador de matérias-primas, a continuada política de expansão monetária dos Estados Unidos, junto com a especulação e a inquietação política nos países árabes, o Federal Reserve pode acabar adotando uma política anti-inflacionária. Neste caso, os auges do capital e das matérias-primas podem terminar da mesma maneira que o primeiro boom do pós-guerra no começo da década de 1980, ou seja, por um rápido endurecimento monetário nos Estados Unidos, mesmo antes de a economia se recuperar completamente da crise dos subprime.
O auge também pode acabar por uma forte redução do ritmo econômico na China. Como resultado de um programa de estímulos maciços, financiado por créditos baratos, ampla entrada de capital e alta nos preços das commodities, a economia chinesa está aquecendo. As medidas monetárias aplicadas para controlar a inflação podem reduzir consideravelmente o crescimento, particularmente se furar a bolha imobiliária. A consequente queda nos preços das matérias-primas poderia ser agravada pela fuga de investimentos em futuros de commodities, criando dificuldades de pagamentos em economias ricas em matérias-primas e uma aversão ao risco e a consequente fuga para investimentos seguros.
Independentemente de como a atual conjuntura possa acabar, é provável que coincida com um retrocesso dos preços das matérias-primas. Os países mais vulneráveis são os que desfrutam dos duplos benefícios da expansão da liquidez – o boom nos preços das matérias-primas e a entrada de capital. A maior parte deles fica na América Latina e África e alguns sofrem crescente déficit apesar da bonança dos preços. Assim, a atual situação traz à memória o ocorrido nos anos 1980, quando o México, que havia desfrutado dos dois booms no período que antecede a subida dos preços do petróleo e da expansão dos créditos bancários internacionais, foi o primeiro a entrar em crise.
Quando as políticas vacilam em manejar os fluxos de capital não há limites para o dano que as finanças internacionais podem infligir a uma economia. Os acordos multilaterais carecem de mecanismos efetivos para restringir as políticas competitivas dos emissores de reservas ou para controlar as saídas em sua origem. A tarefa recai nos países receptores. Mas muitos PD ainda adotam um enfoque de não intervir na entrada de capitais, enquanto outros fazem tentativas tíbias de controlá-los mediante impostos que são muito baixos para igualar os amplos ganhos de arbitragem prometidos pelos diferenciais dos juros e da valorização da moeda. Em todo caso, levar mais a sério os controles do capital está na ordem do dia. Envolverde/IPS
* Imaz Akyuz é economista-chefe do South Center de Genebra. Este artigo é um resumo do autor do estudo “Capital Flows to Developing Countries in a Historical Perspective: Will the Current Boom End With a Bust?” (ver paper 37 www.southcentre.org).