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A ONU estava preparada para entrar no Mali?

 

Duas meninas tuaregues brincam em um acampamento de refugiados em Burkina Faso. Foto: Marc-André Boisvert/IPS
Duas meninas tuaregues brincam em um acampamento de refugiados em Burkina Faso. Foto: Marc-André Boisvert/IPS

 

Nações Unidas, 8/7/2013 – Enquanto os 12.600 soldados das novas forças de manutenção da paz da Organização das Nações Unidas (ONU) colocam seus capacetes azuis e substituem as forças lideradas pela África em Mali, consumidas pela corrupção e pelo extremismo, há temores de que esta transferência de autoridade não seja feita de maneira positiva. A Missão de Apoio Internacional a Mali com Liderança Africana (Afisma) contribuiu com seus 6.237 soldados para as forças da ONU no contexto da Missão Multidimensional Integrada de Estabilização (Minusma) no país, no dia 1º.

“Mali experimenta o que pode ser descrito como um colapso fenomenal nos últimos 18 meses”, disse à IPS Corinne Dufka, pesquisadora da Human Rights Watch. Após ser identificado como um caso de relativo êxito entre as nações em desenvolvimento, com poucas eleições amplamente democráticas em seu histórico, Mali enfrentou, no começo de 2012, no norte de seu território, um levante tuaregue, ao qual se uniu o grupo islâmico armado Ansar Dine.

A situação causou o deslocamento de centenas de milhares de pessoas. Depois, em março do mesmo ano, um golpe de Estado se somou à instabilidade do país. “A situação atual em Mali é resultado de muitas violações dos direitos humanos, por isso há preocupação de que as tropas da ONU deem o exemplo correto e estejam acima de qualquer reprovação”, disse à IPS o diretor da Human Rights Watch na ONU, Philippe Bolopion.

Várias organizações de direitos humanos se manifestaram contra a inclusão do Chade, país censurado por seu persistente uso de crianças-soldados, entre as nações que contribuem com tropas para a Minusma. O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, colocou o Chade na lista negra de países que recrutam crianças para grupos armados. A participação desse país na missão de manutenção da paz da ONU pode ser vista como um potencial problema de credibilidade, advertiu à IPS a ativista Layal Sarrouh, da Watchlist on Children and Armed Conflict.

“Nós (Watchlist) pensamos a partir de um ponto de vista global que as partes listadas que estão nos anexos do secretário-geral por cometerem violações graves contra crianças não deveriam ser incluídas em missões de manutenção da paz”, afirmou Sarrouh. A organização acompanha e informa sobre a situação de crianças afetadas por conflitos armados em países específicos.

Bolopion disse à IPS que o Chade deve cumprir sua promessa de adotar todas as medidas necessárias para acabar com o recrutamento infantil, de outro modo, o país deverá ser expulso da missão da ONU. As Nações Unidas não têm uma política para impedir o Chade de integrar a Minusma, mas possui uma política para checar que não haja crianças-soldados antes de enviar forças de manutenção da paz. “Só podemos esperar que a ONU faça todos os esforços para examinar suas próprias tropas”, pontuou.

Persistem outras preocupações que são particulares da Minusma. Ao contrário de missões que tipicamente realizam treinamento prévio ao deslocamento dos soldados em seus respectivos países antes de entrarem coletivamente na nação em conflito, a Minusma é uma consolidação de forças velhas e novas em território do Mali. Alguns capacetes azuis pisam em Mali pela primeira vez e outros estiveram ativos por um ano e meio na Afisma, com variados níveis de treinamento.

A Resolução 2085 do Conselho de Segurança da ONU, que autorizou a Afisma em dezembro de 2012, tinha fortes salvaguardas em matéria de direitos humanos e uma boa linguagem sobre treinamento prévio ao envio, segundo Sarrouh. Contudo, muitas destas salvaguardas não foram implantadas quando essa força foi enviada para combater insurgentes, apenas um mês depois da aprovação no Conselho de Segurança. A Afisma “se deslocou muito mais rapidamente do que o esperado, e de um modo tão inesperado que foram ignorados certos passos que deveriam ser dados”, observou à IPS. Agora, a Minusma tenta calcular como se colocar em dia, acrescentou.

O novo informe da Watchlist, que detalha violações contra crianças de grupos armados em Mali, destaca que no último ano a Afisma não implantou protocolos padrões de operação para a transferência de crianças-soldados para as autoridades do país africano. “As tropas têm um papel muito grande a desempenhar na proteção à infância, e precisam de treinamento para entender como deveriam exercer esse papel”, observou Sarrouh. Além disso, no ano passado houve em Mali um aumento de casos prostituição e exploração sexual por parte de soldados da Afisma, destacou.

“Lamentavelmente, isto não é incomum nos conflitos, e é muito problemático na medida em que os soldados da Afisma se convertem em mantenedores da paz”, alertou Sarrouh. “No contexto de uma missão de paz da ONU são fixados padrões mais altos e pautas e protocolos mais rígidos a serem seguidos, incluídos os relativos à exploração sexual e aos abusos”, acrescentou. Estas brechas em matéria de treinamento e protocolos de direitos humanos identificadas na Afisma serão transferidas à Minusma, a menos que os novos mantenedores da paz recebam suficiente formação para defender os padrões adequados para a missão do fórum mundial. Bolopion disse que, “apesar da pressão por um envio rápido, esperamos que a ONU leve essas obrigações muito a sério”. Envolverde/IPS