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A ONU vota, Israel bombardeia

Prédio do Hamas em Gaza que foi destruído. Foto: Mahmud Hams/AFP

Nações Unidas, 10/12/2012 – Cada vez que o Conselho de Segurança, esporadicamente, ou a Assembleia Geral, mais frequentemente, da Organização das Nações Unidas (ONU) fustigam Israel, a reação desse país é altamente previsível: lança um ataque militar contra os palestinos ou anuncia a construção de novos assentamentos. Israel, após ter causado uma grande devastação em novembro na Faixa de Gaza, anunciou que construirá três mil novas colônias em Jerusalém oriental e na Cisjordânia, em resposta à resolução adotada na semana passada pela Assembleia Geral que eleva o status da Palestina na ONU de “entidade observadora” para “Estado observador não membro”.

Os assentamentos foram condenados não apenas pelos Estados Unidos, mas também pela União Europeia (UE) e pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon. Israel lançou sua represália contra a votação da Assembleia Geral apesar de, paradoxalmente, a ter qualificado de “carente de significado”, com afirmou um editorial do jornal The New York Times. A mudança de status obteve esmagadora maioria de 138 votos a favor, nove contra e 41 abstenções.

Stephen Zunes, professor de política e presidente do Departamento de Estudos sobre Oriente Médio na Universidade de São Francisco, disse à IPS que, “de fato, existe uma longa tradição de Israel em lançar represálias contra os palestinos quando uma votação na ONU não acontece como espera”. Sempre são os palestinos que sofrem, advertiu Zunes, que escreveu extensamente sobre temas políticos do Oriente Médio. O professo recordou uma caricatura publicada em uma revista dos Estados Unidos na década de 1970, mostrando refugiados palestinos encolhidos debaixo de uma barraca enquanto aviões de combate israelenses Phantom (depois substituídos pelos mais sofisticados F-16) bombardeavam seu acampamento. A atribulada família dizia: “Olhe, Israel teve outro dia ruim na ONU”.

Estados Unidos e Israel votaram contra a resolução, acompanhados por Ilhas Marshall, Micronésia, Nauru, Palau, Panamá, Canadá e República Checa. Em ao menos outras cinco resoluções, adotadas pelos comitês da ONU no mês passado, Israel e Estados Unidos receberam o apoio apenas do Canadá e das mesmas quatro pequenas nações insulares do Pacífico, cujo peso político nas Nações Unidas é insignificante. A população combinada desses quatro Estados-membros chega a apenas 191 mil pessoas. Em contraste, 138 países votaram a favor da mudança de status da Palestina, representando cerca de seis bilhões de habitantes. Espera-se padrões similares de votação com as resoluções adotadas pelos dois comitês que serão submetidas à Assembleia Geral no final deste mês.

Mouin Rabbani, colaborador do Middle East Report e membro do Instituto para Estudos da Palestina, em Washington, disse à IPS que o resultado da votação na Assembleia Geral sobre a Palestina nunca esteve em dúvida. “Aqueles que se opuseram abertamente podem ser contados nos dedos: Israel, Estados Unidos, que é mais pró-Israel do que o próprio Israel, Canadá, que inclusive é mais pró-Israel do que os Estados Unidos, e as ilhas do Pacífico”, afirmou.

Rabbani ironizou que provavelmente se trate dos últimos votos desses pequenos Estados insulares na ONU, “já que serão recompensados por seus esforços com mais emissões de dióxido de carbono da América do Norte com o consequente aumento do nível do mar”, que terminará por fazê-los desaparecer. Também afirmou que a verdadeira dúvida é se a resolução terá efeitos concretos, e ressaltou que o novo cenário internacional é animador nesse sentido.

A França lidera um muito respeitável grupo de países da UE que votaram a favor. A Alemanha já não é o clássico país obstrucionista do passado, e desta vez se absteve, como a Austrália. Postura interessante foi apresentada pela Grã-Bretanha, segundo Rabbani. Os britânicos exigiram, em troca de seu voto, “que os palestinos regressassem sem condições ao processo de paz, que, na realidade, não existe, e que se comprometessem a não acusar Israel perante o Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes de guerra”. Porém, “não obtiveram nenhuma das coisas, então, preferiram a abstenção”, explicou.

No Congresso dos Estados Unidos, já há ameaças de cortar o financiamento a todos os órgãos da ONU que aceitarem a Palestina como membro, com ocorreu no ano passado com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). “A verdadeira questão é o que acontece agora”, disse Rabbani à IPS. Reconhecida como Estado, a Palestina poderia aderir ao Estatuto de Roma e passar a ser membro do TPI, com a possibilidade de apresentar denúncias contra Israel por crimes de guerra. Qualquer pessoa familiarizada com a posição dos governos do Ocidente sabe que o que mais os preocupa não é a ONU nem a Assembleia Geral, mas o TPI, explicou.

“Desesperadamente, tentam evitar ter de escolher entre a impunidade de Israel ou apoiar o Tribunal”, acrescentou Rabbani. As potências ocidentais não têm problemas com o TPI porque até o momento só busca criminosos de guerra africanos, explicou Rabbani, também assessor político da Rede Política Palestina (Al-Shabaka). “Estão mortificados pela possibilidade de que isto mude. Não só devem enfrentar essa questão, como também se veem forçados a fazê-lo publicamente. Necessitamos de um tribunal real, e a prova decisiva é que tenha vontade para julgar criminosos de guerra israelenses”, ressaltou. Envolverde/IPS