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A oposição síria se inventa

Bandeira do governo hasteada em Damasco, capital síria. Foto: Louai Beshara/AFP

 

Washington, Estados Unidos, 14/11/2012 – Os líderes da oposição na Síria anunciaram o nascimento de uma nova coalizão para coordenar melhor a resistência ao regime de Bashar Al Assad. Contudo, alguns analistas têm suas dúvidas. A recém-criada Coalizão Nacional de Forças Revolucionárias e de Oposição “é substancialmente diferente em vários sentidos”, disse à IPS a diretora da Equipe de Tarefas para o Oriente Médio da New America Foundation, Leila Hilal. “A grande preocupação é como será utilizada para avançar nas agendas que estão em jogo no país”, acrescentou.

Enquanto isso, o rebelde Exército Livre da Síria (ESL) incrementou os ataques contra Damasco nos últimos dias, disparando contra um dos principais palácios do governo e assassinando membros da família de Assad e altos funcionários do regime. Uma recente ofensiva na fronteira terminou com a captura por parte dos rebeldes de Ras Al Ain, pequena localidade na província de Hasaka, forçando a fuga de oito mil sírios para a Turquia.

Em resposta, o exército sírio bombardeou posições rebeldes pelo ar e impôs cercos a áreas controladas pela oposição. Há informes de fortes combates em Damasco, bem como na localidade de Al Qurriya, no leste do país. Em entrevista concedida na semana passada à rede de televisão Russia Today, Assad assegurou não ter intenções de ceder. “Sou sírio, feito na Síria, e viverei e morrerei na Síria”, afirmou.

Os enfrentamentos também tiveram forte impacto na situação interna do Líbano, e se espalharam às facções palestinas dentro da Síria. Os rebeldes sírios formaram uma brigada de palestinos para lutar contra a Frente Popular para a Libertação da Palestina-Comando Geral, apoiada pelo regime de Assad. Pelo menos dez palestinos morreram em torno do acampamento de refugiados de Yarmouk, em Damasco. Também houve conflitos no final da semana passada na fronteira com as colinas de Golã, onde as forças sírias atacaram posições de artilharia sírias em represália pelo disparo de um morteiro que caiu perto de um posto militar de Israel.

Joshua Landis, professor associado da norte-americana Universidade de Oklahoma e autor do blog Syria Comment, alertou que o “efeito Síria” pode ser pior no Iraque. “A tentativa de derrubar o regime de Assad seguramente dará um grande impulso à rede radical islâmica Al Qaeda”, afirmou. “E o apoio de Arábia Saudita, Turquia e Catar aos sunitas da Síria provavelmente potencializará as paixões no Iraque”, acrescentou.

Em meio à escalada de violência, as potências ocidentais se desiludiram mais com o Conselho Nacional Sírio em sua tarefa de organizar a oposição a Assad. Após mais de um ano de combates e deserções importantes entre os opositores, a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, pediu a criação de um órgão mais representativo da resistência ao regime.

Após reconhecer inicialmente o CNS como “único legítimo representante do povo sírio”, os políticos em Washington começaram a duvidar da capacidade desse órgão para administrar uma eventual transição na Síria. Os Estados Unidos tentaram supervisionar, controlar e coordenar o Conselho, mas este demonstrou ter estrutura caótica e forte infiltração de elementos islâmicos. O chamado de Clinton para renová-lo revelou que Washington tinha dúvidas quanto a esse organismo conseguir resultados na Síria de acordo com os interesses norte-americanos.

Os primeiros esforços para integrar os diversos grupos opositores sírios fracassaram, quando, no dia 7, Raid Saif, destacado dissidente do regime, abandonou as conversações após perder seu lugar na junta executiva do CNS. No dia 9, o presidente do CNS, Andulbaset Sieda, foi substituído interinamente por George Sabra, ativista secular de esquerda.

No entanto, apesar das diferenças, os grupos opositores fizeram um acordo, no dia 11, para a criação de uma nova estrutura de liderança. O xeque Ahmad Moaz Al Khatib foi eleito como novo presidente da Coalizão Nacional, após acordo com Sabra. Por sua vez, Said foi reincorporado como vice-presidente. O jornal libanês As-Safir informou que o Catar, ameaçando cortar financiamento, conseguiu que o CNS se mantivesse como parte principal da Coalizão Nacional.

A nova organização foi imediatamente reconhecida pelo Conselho de Cooperação do Golfo. Por sua vez, o Departamento de Estado norte-americano divulgou um comunicado no mesmo dia prometendo apoiar a Coalizão Nacional para garantir que a “assistência humanitária e não letal” de Washington “atenda as necessidades do povo sírio”. Apesar de a administração de Barack Obama estar concentrada na dimensão política do conflito, outras figuras políticas destacadas dos Estados Unidos e analistas insistem em uma intervenção militar direta.

David Schenker, do Instituto de Washington para Políticas sobre Oriente Médio, recomendou que os Estados Unidos “assumissem a liderança no fornecimento das armas que o ELS necessita para acabar com a guerra”. O general Mustafa Al Sheikh, um dos líderes do ELS, disse, no mesmo sentido, que, “se não houver uma rápida decisão para nos apoiar, todos nos converteremos em terroristas”.

No entanto, para Hilal, um envolvimento internacional maior na crise poderia ser contraproducente. “O desafio agora é evitar que as agendas externas interfiram no que é bom para a Síria”, afirmou à IPS. “Um rápido aumento na assistência estrangeira e de armas poderia ser mais prejudicial do que útil. Poderia, por exemplo, minar a nascente unidade”, opinou.

Por outro lado, o enviado especial da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Liga Árabe à Síria, Lakhdar Brahimi, alertou que a violência pode fazer com que esse país do Oriente Médio se converta em um “Estado falido”. O que “temo é o colapso do Estado e que a Síria se converta em uma nova Somália”, disse Brahimi em entrevista ao jornal londrino Al Hayat.

Seus esforços para que fosse adotado um cessar-fogo na Síria fracassaram em outubro passado. “Creio que se este assunto não for corretamente encarado, o perigo é a “somalização” e não a divisão: o colapso do Estado e o surgimento de senhores da guerra, milícias e grupos se enfrentando”, alertou Brahimi. Envolverde/IPS