A parte que nos cabe

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Atualizado em 03/11/2015 às 15:11, por Ana Maria.

Por André Trigueiro* 

O que o lançamento da primeira bateria solar doméstica em escala industrial, o derrame diário de 5 mil piscinas olímpicas cheias de esgoto sem tratamento nos rios do Brasil, e o fato de a Suécia só destinar a aterros sanitários menos de 1% de todo o lixo doméstico de seus cidadãos têm em comum? Alguém poderá dizer apressadamente que são assuntos ligados ao meio ambiente e que merecem até ser classificados como “notícia”. Esta seria a resposta óbvia. Mas para nós, jornalistas inscritos ou interessados em acompanhar à distância mais um Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental, o grande desafio continua sendo a abordagem sistêmica, ampla, não linear, contundente e propositiva, que denuncia o esgotamento de um modelo de desenvolvimento que não respeita os limites do planeta, e que, ao mesmo tempo, precisa sinalizar rumo e perspectiva, apontar caminhos, inspirar soluções para a maior crise ambiental da História da Humanidade.

Do primeiro Congresso em Santos (2005) até hoje, o universo do jornalismo tem sido alvo de sucessivos terremotos que abalam o mercado e reconfiguram o modelo de negócios. As novas plataformas digitais, a universalização do acesso a internet, a multiplicação ilimitada de “provedores de conteúdo” nas redes, novas estratégias de comunicação e de financiamento das mídias, o questionamento do diploma como condição para o exercício do jornalismo, entre outras questões, indicam que este ofício no século XXI será – em alguns casos já está sendo – algo bem diferente do que vimos até hoje. Mudanças estruturais relevantes que não abalam os princípios do bom jornalismo nem o interesse crescente da sociedade pela informação útil e bem apurada.

A crise ambiental, porém, avança. E o que se espera do jornalista – em qualquer época e sob quaisquer circunstâncias – é que esteja apto a ser um bom “contador de histórias”. Quais as histórias que precisam ser contadas quando o assunto é “sustentabilidade”? Invariavelmente aquelas que contrariam poderosos interesses econômicos e políticos por detrás da crise climática (principalmente o lobby dos combustíveis fósseis), da escassez de recursos hídricos (a própria ONU aponta a “má gestão” como a principal causa da indisponibilidade de água potável para aproximadamente 1 bilhão de pessoas), da destruição voraz da biodiversidade (madeireiras,mineradoras,ruralistas,etc), da produção monumental de lixo e dos valores prevalentes da sociedade de consumo (falta espaço aqui para enumerar todos os interessados no “business as usual” por trás do consumismo), entre outros “alvos” desse gênero de jornalismo.

O exercício dessa nobre atividade reclama atualização constante, um autodidatismo quase “quixotesco”, idealista, normalmente sem apoios, e que vislumbra como recompensa a sensação de dever cumprido. Dá pra imaginar assunto mais urgente do que denunciar o risco real e mensurável de um colapso global? Haveria algo mais importante do que inspirar novos hábitos, comportamentos, estilos de vida e padrões de consumo em favor de um mundo melhor e mais justo? Se para você a resposta para essas duas perguntas é “não”, bem-vindo ao time. Estamos juntos. (#Envolverde)

* André Trigueiro é jornalista com pós-graduação em Gestão Ambiental pela Coppe-UFRJ onde hoje leciona a disciplina geopolítica ambiental, professor e criador do curso de Jornalismo Ambiental da PUC-RJ, autor do livro Mundo Sustentável – Abrindo Espaço na Mídia para um Planeta em Transformação, coordenador editorial e um dos autores dos livros Meio Ambiente no Século XXI, e Espiritismo e Ecologia, lançado na Bienal Internacional do Livro, no Rio de Janeiro, pela Editora FEB, em 2009. É apresentador do Jornal das Dez e editor chefe do programa Cidades e Soluções, da Globo News. É também comentarista da Rádio CBN e colaborador voluntário da Rádio Rio de Janeiro.


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