Cidade do México, México, 21/3/2012 – A crescente violência, os pedidos de justiça para as vítimas de pedofilia na Igreja Católica e a ordenação sacerdotal de mulheres são temas que, segundo especialistas e ativistas, o papa Bento 16 não deveria evitar em sua próxima viagem ao México. O papa “não tem uma política especializada para diferentes grupos sociais, como tentou fazer seu antecessor, João Paulo II, que tinha discursos específicos para jovens, intelectuais e indígenas, por exemplo”, disse Elio Masferrer, especialista da Escola Nacional de Antropologia e História.
Masferrer afirmou à IPS que nesta visita isto não aparece, o que mostra o abandono de uma estratégia para a base social do mundo católico, e, por outro lado, busca-se chegar apenas às elites. “Aí se percebe uma grande fraqueza. A Igreja está em uma situação de paralisia. Os fiéis não assumem o que a hierarquia determina e, assim, está perdendo sua capacidade de influir na vida cotidiana dos católicos. Neste contexto, a Igreja fica em uma situação extremamente precária”, acrescentou.
Eleito papa em abril de 2005, o alemão Joseph Ratzinger realiza sua segunda viagem à América Latina, com uma primeira escala no México, entre os dias 23 e 26, quando seguirá Cuba. No México, sua visita se centrará no Estado de Guanajuato, onde os católicos são ampla maioria, e entre suas principais atividades estão rezar uma missa campal e se reunir com o presidente Felipe Calderón, do conservador Partido Ação Nacional.
O papa, de 84 anos, chega ao México poucos dias antes do início oficial da campanha para as eleições presidenciais de julho, em meio a uma violência crescente derivada da luta das forças do Estado contra os cartéis do narcotráfico e com uma Igreja Católica local em crise. A cruzada governamental contra as máfias das drogas, lançada por Calderón tão logo assumiu o cargo, em dezembro de 2006, já deixou mais de 47 mil mortos, segundo os últimos dados oficiais. Por isso, familiares das vítimas querem que o papa os ouça e se pronuncie sobre a situação.
“Queremos levar a mensagem das vítimas. Temos interesse em mostrar nossa radiografia, percorremos o país e abraçamos as vítimas”, disse à IPS o poeta Javier Sicilia, católico e fundador do Movimento pela Paz com Justiça e Dignidade. Seu filho, Juan Francisco, foi assassinado junto com outras seis pessoas no dia 28 de março de 2011. A título individual, um grupo de afetados pela violência buscou sem sucesso uma audiência com o chefe do Vaticano. Por isso, Sicilia e outros quatro ativistas estão em Roma para se reunir amanhã com o bispo Mario Toso, secretário do Pontifício Conselho Justiça e Paz, para entregar-lhe uma carta e expor a conjuntura mexicana.
México e América Central são “um corpo, como o de Nosso Senhor, sobre o qual caiu toda a força da delinquência, das omissões e graves corrupções do Estado e de seus governos”, da penalização das drogas nos Estados Unidos, do tráfico de armas, da lavagem de dinheiro, e “uma Igreja hierárquica que mantém um silêncio cúmplice”, afirma a carta de duas páginas.
Um dos objetivos do Papa é destacar o catolicismo, diante do enfraquecimento deste credo nesta nação latino-americana, onde 83,9 milhões de seus 112 milhões de habitantes se declaram católicos, enquanto 10,9 milhões professam o protestantismo, evangelismo e outras denominações religiosas, segundo o censo nacional de 2010. O Anuário Estatístico da Igreja Católica mostra uma redução nos batismos e casamentos religiosos entre 1980 e 2008.
No capítulo mexicano, se refere ao abuso sexual de seminaristas por parte de sacerdotes e à impunidade dos responsáveis, assunto que toca diretamente a Bento 16 por sua passagem anterior à frente da Congregação para a Doutrina da Fé. Como prefeito desse órgão entre 1981 e 2005, Ratzinger conheceu casos de pedofilia na congregação Legionários de Cristo, fundada pelo sacerdote mexicano Marcial Maciel (19202008), sem ter tomado medidas a respeito.
Maciel, superior-geral dos Legionários até 2005, manteve relações de casal com duas mulheres, teve pelo menos seis filhos entre 1941 e 1970, e abusou sexualmente de vários seminaristas, segundo denúncias e testemunhos. Bento 16 ordenou a Maciel, em 2006, que se dedicasse ao retiro e à penitência, sem adotar medidas mais rígidas contra ele ou contra os Legionários. O Vaticano, porém, o censurou, ao qualificar sua conduta de criminosa, “grave e objetivamente imoral” e o acusou de ter vivido sem escrúpulos.
“O tema é quente. Tudo isto coloca o papa e a Conferência Episcopal Mexicana em uma posição muito delicada, porque, de um lado, lhe dizem para não tocar em certos assuntos, mas, simultaneamente, não mudam nada”, observou Masferrer. O não governamental Departamento de Investigações de Abusos Religiosos do México assegura que 30% dos mais de 14 mil sacerdotes em atividade no país cometeram algum tipo de abuso sexual contra seus fiéis. Um grupo de vítimas tentou acertar um encontro com Bento 16, mas ainda não há nada de concreto a respeito.
Por outro lado, grupos de católicas pediram ao Vaticano que mude sua visão em relação às mulheres em questões de saúde sexual e militância religiosa. “Queremos uma Igreja comprometida com a justiça social e os direitos humanos, uma Igreja amorosa, includente e respeitosa das diferenças e das liberdades individuais, que reconheça o dano moral que seus integrantes causaram às vítimas de abuso sexual”, declarou à IPS a diretora da não governamental Católicas pelo Direito de Decidir, María Consuelo Mejía. Esta organização realiza a campanha Catolicadas, que aborda temos como discriminação de gênero, aborto, diversidade sexual e uso de anticoncepcionais.
“Se pudesse, gostaria de ser ordenada sacerdote”, afirmou à IPS a freira María Castillo, da Congregação das Filhas do Espírito Santo, que escreve um livro sobre o alcoolismo no clero, tema que lhe valeu desavenças com a direção desta instituição. “Há algumas irmãs que lutam desde baixo, mas nem sempre é assim. A hierarquia precisa descer ao nível dos mais pobres”, afirmou a religiosa. Envolverde/IPS