O dia da Consciência Negra, 20 de novembro, é uma data importante para lembrar a resistência de negros (as) à escravidão e, ao mesmo tempo, uma reflexão sobre a inserção do (a) negro (a) na sociedade brasileira.
Para compreender e refletir como está a população negra brasileira, recentemente, o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) publicou uma pesquisa intitulada A Dinâmica Demográfica da População Negra Brasileira em que analisa, com base nos dados do Censo demográfico de 2010, descrevendo a trajetória da população negra e suas componentes (fecundidade e mortalidade) comparada à branca e aponta algumas implicações para a demanda por políticas públicas. Vamos as principais constatações do estudo:
Primeiro; população branca era maior que a negra entre 1980 e 2000. Em 2010, esta situação se inverteu (97 milhões de pessoas se declaram negras e 91 milhões de pessoas se declararam brancas). Isso pode ser decorrente da fecundidade mais elevada encontrada entre as mulheres negras, mas, também, de um possível aumento de pessoas que se declararam pardas no censo de 2010. Como resultado, a taxa de crescimento da população negra entre 2000 e 2010 foi de 2,5% ao ano e a da branca aproximou-se de zero.
Segundo; o aumento da proporção de domicílios chefiados por mulheres guarda estreita relação com o aumento da participação feminina no mercado de trabalho. Houve um aumento na participação tanto das mulheres negras quanto das brancas, mais expressivo para as últimas. Estes fatores provocaram algumas mudanças nas características dos domicílios brasileiros, alterando as relações tradicionais de gênero: mulher cuidadora e homem provedor. Um dos indicadores dessas transformações é dado pelo aumento da contribuição das mulheres para a renda das suas famílias, o que ocorreu nos dois grupos populacionais. Entre as brancas, essa passou de 32,3% para 36,1%, e, entre as negras, o aumento foi de 24,3% para 28,5%.
Terceiro; em uma comparação sobre o padrão de mortalidade por idade e causas dos dois grupos populacionais (brancos e negros), com base em informações do Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Saúde e as coletadas pelos censos demográficos. Observou-se que, entre os homens, a segunda causa mais importante de óbitos na população negra foram as externas e na branca, as neoplasias. Já a terceira causa entre os negros foram as neoplasias e entre os brancos, as externas. Dentre as externas, as agressões (homicídios) foram, em 2001, as principais causas de morte tanto na população negra quanto na branca. Em 2007, apenas entre os negros os homicídios predominaram. Um detalhe importante; esse tipo de óbito entre os negros é mais frequente entre 15 e 29 anos e é responsável por, aproximadamente, 50% do total de óbitos entre a população negra masculina.
Analisando o estudo do IPEA, pode-se observar que há o início de um processo de mudança em como as pessoas se veem. Passam a ter menos vergonha de dizer que são negras; passam a não precisar se branquear para se legitimarem socialmente. Essa mudança é um processo surpreendentemente linear, surpreendentemente claro e, ao que tudo indica, ainda não terminou.
Na medida em que o debate da identificação racial ganha as páginas dos jornais e a sociedade vê que é um tema legítimo; na medida em que negros são apresentados nas telenovelas como personagens poderosos e não apenas empregados domésticos; na medida em que negros são vistos, como por exemplo, compondo o Supremo Tribunal Federal e ocupando os mais diversos cargos na política; na medida em que o Movimento Negro sai da marginalidade e ocupa espaços no debate político, a identidade negra sai fortalecida, não é que o Brasil esteja tornando-se uma nação de negros, mas, está se assumindo como tal.
Entretanto, a mobilidade social do(a) negro(a), ou seja, sua ascensão relativa ao conjunto da sociedade, mantém-se em patamares residuais. Não houve alteração do quadro de oportunidades no mercado de trabalho, principal fonte de renda e de mobilidade social ascendente. A conclusão que se impõe é que, a despeito dos avanços registrados, a situação da população negra no país continua bastante vulnerável. O que contribui de forma significativa a melhora da população negra brasileira é o avanço da ação do Estado em termos das políticas distributivas de cunho universal atuando no sentido de combater a pobreza e a desigualdade de renda.
Tal quadro vem reforçar a necessidade de implementação de políticas dirigidas para a população negra. Políticas que, em curto espaço de tempo, possam garantir uma maior eqüidade de oportunidade e de padrão de vida.
* Paulo Daniel é economista, mestre em Economia Política pela PUC-SP, professor de Economia e editor do blog Além de Economia.
** Publicado originalmente no site da revista Carta Capital.