Nova York, Estados Unidos, 14/3/2012 – Sete em cada dez mulheres no mundo dizem ter sofrido violência física e/ou sexual em algum momento de sua vida, uma terrível herança para as pessoas, as comunidades e os países. Apesar dos renovados esforços, os serviços de assistência têm uma qualidade e um alcance limitado, e costumam depender do lugar do mundo onde a vítima vive. O acesso à assistência é especialmente problemático para as mulheres de zonas rurais e/ou afastadas, ou para as que pertencem a setores sociais excluídos – minorias étnicas, indígenas, imigrantes ou adolescentes – e as que sofrem de alguma incapacidade ou têm HIV/aids, entre outros males.
Cada vez mais países redobram esforços para prevenir a violência contra a mulher, enquanto cada vez é mais amplamente reconhecido que um enfoque sustentado, sistemático, integral e multissetorial é necessário para enfrentar os sintomas e chegar à raiz do problema. Marai Larasi é diretora da Imkaan, uma organização não governamental, com sede na Grã-Bretanha, que se dedica à luta contra a violência sofrida por pessoas negras, minorias, refugiadas e adolescentes. Também preside a independente Coalizão para Acabar com a Violência Contra a Mulher, que funciona em todo o país.
Além disso, participou da 56ª sessão da Comissão sobre a Situação Social e Jurídica da Mulher, da Organização das Nações Unidas (ONU), que aconteceu nesta cidade entre 27 de fevereiro e 9 de março. O trabalho de Larasi se concentra em aspectos estratégicos e no desenvolvimento de políticas, e sua organização se dedica aos desafios vinculados à prevenção da violência contra mulheres e meninas. A IPS conversou com a ativista britânica sobre os êxitos alcançados e os desafios que restam pela frente.
IPS: Poderia descrever quais medidas concretas foram tomadas em matéria de prevenção primária para prevenir todas as formas de violência contra mulheres e meninas?
Marai Larasi: No momento foram tomadas pouquíssimas medidas concretas e consistentes para prevenir a violência contra mulheres e meninas. Por exemplo, na Grã-Bretanha, a prevenção foi identificada como um elemento da retórica do governo britânico. Contudo, não se acompanhou com um enfoque sistemático de prevenção. O governo fez campanhas de conscientização visando a adolescentes e foram bem-vindas, mas não há um enfoque centralizado para a prevenção primária nas escolas. Isto ocorre apesar do crescente consenso de que as escolas são lugares importantes para apoiar o desenvolvimento de atitudes e comportamentos construtivos e positivos. Em muitos países, a prevenção primária esteve a cargo de organizações da sociedade civil. Os projetos começaram a surgir, mas de forma ad hoc, e costumam ter restrições por falta de recursos e de um ambiente político favorável. No geral, são criativos, inovadores, realizam um trabalho valioso e conseguem uma verdadeira diferença, mas seu alcance é limitado.
IPS: Quais as principais áreas onde são necessárias novas ações para fortalecer tanto os serviços de assistência às vítimas e sobreviventes da violência, quanto os de prevenção primária?
ML: É essencial que todos os Estados desenvolvam um enfoque exaustivo e integral em matéria de igualdade de gênero, prevenção da violência contra mulheres e meninas e implantação da assistência às vítimas. Este tipo de enfoque asseguraria, por exemplo, que se enfrente a violência contra mulheres e meninas de forma estratégica e operacional em todas as áreas do governo, incluindo saúde, justiça penal, moradia e educação. Também garantiria que o trabalho incluísse a prevenção e o apoio. É essencial que os recursos para as sobreviventes fossem absorvidos pela prevenção. É preciso investir nas duas áreas. A experiência sobre a prevenção, o apoio e a proteção, longamente desenvolvida por organizações não governamentais especializadas encabeçadas por mulheres, conta com apoio. Mas é importante também que essa experiência seja mantida e replicada. Este enfoque, além do mais, permite garantir apoio de especialistas e serviços independentes para as sobreviventes, fornecidos por mulheres. As escolas também poderão adotar um “enfoque escolar geral” para promover a igualdade de gênero e prevenir a violência contra mulheres e meninas. Um enfoque integral também garantiria que se investisse em mobilização comunitária, e, ainda, que os setores marginalizados recebessem apoio para adquirir liderança e participar de forma equitativa em todas as áreas do programa. Além disso, teria que atender à sexualização de meninas e mulheres na mídia, na publicidade e na cultura popular.
IPS: Quais os primeiros desafios e os vazios em matéria de prevenção primária e como se pode ampliá-la?
ML: Primeiro, a falta de um enfoque sistemático de prevenção primária, como já destaquei. Continuam faltando recursos econômicos em todas as áreas de prevenção. O foco do trabalho contra a violência, especialmente pela limitação de recursos, se concentrou necessariamente no apoio às sobreviventes. Entretanto, são necessários novos investimentos que apoiem a prevenção primária. Falta investimento em pesquisa e supervisão, o que deriva em uma carência de provas contundentes, que demonstrem a efetividade de vários enfoques em matéria de prevenção. Outro grande desafio é a questão da mudança climática. Com o surgimento das novas tecnologias, a mudança de comportamentos profissionais e as mídias sociais, os profissionais enfrentam diferentes desafios. Por exemplo, o trabalho para prevenir a exploração sexual agora deve considerar os telefones celulares, os sites de bate-papo na internet e os espaços nas redes sociais como parte do processo de captação e exploração.
IPS: Quais iniciativas parecem promissoras e efetivas na prevenção primária e como podem ser ampliadas?
ML: Há uma grande variedade de iniciativas desse teor. O trabalho escolar pode servir para mudar comportamentos e ajudar na intervenção precoce e na prevenção. Por exemplo, um programa escolar encabeçado pela organização Ashiana, em Londres, trabalhou para evitar o casamento forçado, custou 31 mil libras (US$ 48 mil) e o resultado foi que 95% das adolescentes ganharam a autoconfiança necessária para formar relações saudáveis. O programa também permitiu outros êxitos positivos para as estudantes e o pessoal docente. Trabalhar nas comunidades facilita a mudança, a liderança e a apropriação de seus membros do programa. A organização Raising Voices, com sede em Uganda, é conhecida por sua capacidade no trabalho de prevenção primária, mediante um enfoque com múltiplas camadas que inclui conscientizar e integrar na ação para assegurar uma efetiva mobilização comunitária. O trabalho que envolve homens e meninos desafiando comportamentos e prevenindo a violência contra mulheres e meninas dá aos homens a oportunidade de assumir sua responsabilidade em enfrentar este problema. O projeto ganhador Bell Bajao é um excelente exemplo deste tipo de participação. Envolverde/IPS