Em entrevista ao Programa Roda Viva, no dia 18 de fevereiro, Marina Silva subverteu perguntas rasas, frutos do ranço jornalístico roteirizado, e ocupou o espaço com sapiência, seriedade, sobriedade, paciência, bom e humor e humildade, no jeito Marina de ser! Comportamento natural de um pensar, falar e fazer integral. Sua fala, gestos e interações demonstram transversalidade entre cérebro, alma e coração, onde o amor ao outro, a causa, não engessa o umbigo pessoal. Reforça esse perfil a experiência de quem sabe fazer a diferença entre justiça e vingança, crescimento e desenvolvimento, sustentabilidade e publicidade verde vazia, além, claro, de uma origem onde a Natureza impulsionou seus primeiros passos rumo aos desafios.

Viver a mensagem, não o discurso

A ex-candidata a presidente do Brasil, eleições 2010, com 20 milhões de votos, soube mostrar o porquê a recém criada REDE (que reuniu, em Brasília, dia 16 de fevereiro, ativistas, intelectuais, políticos, educadores, estudantes, religiosos e um mar de representações multifacetadas) não se direciona a lados, e que, como “rede oceânica” deve acompanhar o ritmo das mudanças que o tempo – e sua dinâmica histórica – exige, com toda a sua força e desejo em transformar. Sinalizando que a base política da REDE não está à esquerda, nem à direita, nem ao centro. Apresenta um perfil ativista autoral, espontâneo num ambiente aberto, do fazer o que se fala, o que pode. Segundo a ex-candidata a presidente do Brasil, ser a maneira mais visível para mostrar a diferença como nova política, espaço para se construir práticas do “viver a mensagem, e não o discurso”. Frase que soa como um tapa de luva aos oportunistas do mercado pintado de verde. Proposta política reforçada em outra expressão de valor: “Não é o verde, pelo verde. Queremos é a igualdade e oportunidades com o uso de tecnologia e inovação”. Por que, conforme Marina, “apesar do potencial que o Brasil tem para protagonizar avanços, diante da estagnação socioambiental mundial, nossa prática é ainda do século passado. Precisamos de uma nova economia, que poupe e valorize mais os recursos naturais”.

Embalando sonhos

No universo de imagens desgastadas em conteúdos vazios publicitários, sem compromisso real com o que está sendo dito, Marina aprofundou a expressão sustentabilidade (palavrinha desgastada e mal utilizada pela publicidade) como expressão de valor, e não como conceito vazio, como faz o greenwashing. Arrancou risadas de jornalistas quando respondeu sobre as estratégias de alcance da REDE em ambientes virtualmente excluídos, ao dizer, com a naturalidade típica de quem pensa bem, e rápido: “será muito fácil porque o quê nordestino mais entende é de REDE, e é bom para embalar os nossos sonhos”. Síntese que remeteu às origens enredadas com seu pai, figura atuante em sua trajetória de vida. Sem personalismo e atenta ao outro, falou: “Está dissolvido o Marinismo. Temos uma REDE em torno da diversidade”. Ligada em tudo, citou Titãs, quando enfatizou a necessidade de ser pensar em tudo, com “Todos ao mesmo tempo agora”. Cenas vindas de uma cabeça moderna, de mulher que se revela em pensar espiral dialético! E nos leva a sonhos reais quando invoca a diversidade cultural brasileira para falar da rede de forma figurativa: “Como uma escola de samba, onde cada um ensaia em seu quintal e depois vai para avenida apresentar ricos enredos”.

Transformar

Acostumados a generalizar, tipificar, nomear, padronizar nomes, expressões e comportamentos, os jornalistas queriam entender como funcionará a REDE como instrumento eleitoral. “Vou tentar entender o porquê dessa demanda de fazer um partido conforme o figurino”. Eta mulher retada!. E foi didática: “Existe uma impotência entre aquilo que se deseja e a obsolecência das formas”, ao explicar sobre o encaminhamento de demandas reprimidas históricas contidas na necessidade da Reforma Política e seus mecanismos para “redemocratizar a democracia”. Com muita propriedade fez uma retrospectiva histórica sobre processos de direitos coletivos dizendo : “Eu acho engraçado que as pessoas estão reividicando que eu deveria fazer um esforço pra fundar um partido dentro do figurino. Eu queria entender o motivo dessa demanda. Eu vivi isso na época da fundação do PT. Quando os gregos inventaram a democracia, ela não era nem para os escravos e nem para as mulheres. Os que estão incluídos estão muito felizes com o figurino da forma como ele está. O que eu quero é que a gente tenha um processo de retroalimentação, onde pessoas virtuosas criem instituições virtuosas, instituições virtuosas corrijam pessoas quando falharem em suas virtudes. É isso que é o Estado. É isso que é a democracia, para mediar os diferentes interesses.” E aprofundou a proposta, ousada, inovadora, diferente e, por isso, difícil de entender sobre o papel da REDE. Sobre sua saída do PV e porque não capitalizou politicamente a sigla, que já existe há mais de 20 anos, inclusive em outros países, como a Alemanha, Marina fez crítica transparente quanto a burocracia do partido no Brasil, como o emperramento de avanços construídos horizontalmente junto ao que a então candidata a presidente do Brasil chamava de Núcleos Vivos da Sociedade. Veja artigo aqui.

Antecipação da Reforma Política

“A rede é um Movimento oceânico, que não se movimenta mais só em torno dos partidos”, enfatizou Marina. Sobre as alianças e governabilidade disse: “Se fosse um partido igual aos outros, para só ganhar eleições, isso sim seria estranho para a REDE”. A novidade de candidaturas, com perfis independentes e dinâmicas horizontais, na REDE não foi bem entendida pelos jornalistas. Poderíamos dizer que é muita revolução política pra pouco entendimento de práticas políticas eleitoreiras viciadas? E Marina ampliou os espaços onde se dá essa discussão, citando países como Canadá, Chile, Espanha, que estão nesse caminho para a transformação política, com autonomia, para propor transformações demandadas pela Vida, nesse planetinha em constante mutação. Marina antecipou o processo de Reforma Política quando mostra o papel da REDE em “contribuir para que os partidos, com estruturas fechadas, possam repensar sua prática. Pois, conservadorismo é quando a gente fica administrando o sucesso. Enquanto o ato criativo empolga para a transformação”. De onde pode se concluir que foi muita revolução política para pouco entendimento de gente engessada a práticas políticas verticalizadas.

* Liliana Peixinho é jornalista, ativista socioambiental, fundadora dos movimentos livres AMA – Amigos do Meio Ambiente, RAMA – Rede de Articulação e Mobilização Ambiental. Especializada em Jornalismo Científico e Tecnológico. Autora do trabalho: “Olhar Transversal sobre Mídias Colaborativas – Protagonismo ativista socioambiental X Paradoxo do discurso marketeiro insustentável”. Facebook Liliana Peixinho, Twitter @lilianapeixinho, email [email protected]

** Publicado originalmente no site Mercado Ético.