Arquivo

A revolução energética alemã e seus altos e baixos

Mobilização em Berlim em apoio ao uso da energia solar. Foto: Daan Bauwens/IPS

 

Berlim, Alemanha, 13/6/2012 – Quando o governo da Alemanha decidiu, no ano passado, eliminar gradualmente sua energia nuclear até 2022, depois da catástrofe na centra japonesa de Fukushima, todos sabiam que o processo exigiria um extraordinário esforço. Para isto era preciso não apenas desenvolver fontes alternativas, mas especialmente renováveis, além de atualizar a ampla rede elétrica do país. As usinas atômicas alemãs geraram de forma sustentada 20% da eletricidade total consumida no ano passado no país.

No entanto, as fontes renováveis, como a eólica ou a solar, especialmente utilizadas no norte, são mais propensas às flutuações e deverão ser administradas por meio de uma nova rede inteligente. Portanto, o governo alemão se propôs a instalar 1.800 quilômetros de novas linhas de alta voltagem em todo o país este ano, para melhorar a capacidade de armazenamento da atual rede. Porém, apesar da urgência, até o dia 7 deste mês foram estendidos apenas 214 quilômetros de linhas.

A Alemanha é um dos maiores países industrializados que renunciaram oficialmente à energia nuclear. Outras nações europeias menores, como Áustria, Bélgica e Itália, também prometeram eliminá-la gradualmente ou deixar de construir usinas. Contudo, para avançar verdadeiramente para as energias renováveis, a Alemanha necessitaria de, pelo menos, 3.800 quilômetros de novas linhas elétricas até 2020, segundo dados oficiais.

Esta nova rede é necessária para transportar a energia gerada pelos parques eólicos no mar, localizados no Atlântico norte, até as regiões altamente industrializadas do sul do país, especialmente os Estados da Baviera e Baden-Wurtemberg. Além disso, pelo menos 4.400 quilômetros das atuais linhas devem ser atualizadas nesse mesmo período. No total, a nova rede custará cerca de US$ 40 bilhões. Resumindo, a atual rede constitui o gargalo da revolução energética alemã.

Em 28 de maio, um dia muito claro, os painéis solares da Alemanha geraram quase 75% da demanda elétrica diária nacional. “Diante dessa enorme quantidade de eletricidade gerada, a atual rede, que não tem capacidade de armazenamento suficiente e não pode transportar eficientemente a eletricidade, constitui nosso principal problema”, afirmou Helmut Jaeger, diretor-gerente da Solvis, importante fábrica de equipamentos para energia solar, durante uma conferência realizada no dia 6 deste mês, em Berlim.

Esta deficiência da rede também obriga os operadores das turbinas eólicas a fechá-las por longos períodos, quando a demanda imediata não é suficientemente alta para consumir a eletricidade gerada pelos moinhos. Para agravar a situação, a Alemanha esteve à beira de sofrer cortes de energia após fechar suas sete usinas nucleares mais antigas. No inverno passado, durante alguns períodos de alto consumo e baixa geração de energias eólica e solar, este país teve que importar eletricidade de nações vizinhas, especialmente da França. Jaeger afirmou que o risco continua e que pode se agravar caso os próximos invernos sejam mais frios e longos do que o de 2011-2012.

Operadores elétricos alemães já desenvolveram sistemas de pequena escala para tratar a eletricidade excedente gerada em dias ensolarados e de vento, bem como o déficit durante o inverno, quando o consumo é maior. Um destes sistemas é o chamado “mordomo energético”, um dispositivo eletrônico capaz de coordenar a demanda e a oferta elétrica, segundo os preços do momento, em pequenos bairros que já contam com instalações fotovoltaicas e turbinas eólicas, ou em estações locais combinadas de eletricidade e calor.

“A forma mais eficiente de usar a energia renovável é consumi-la em nível local e de imediato”, disse Thomas Wolski, gerente de uma pequena rede inteligente na cidade de Mannheim, 500 quilômetros a sudeste de Berlim. Nessa cidade, as casas que empregam painéis solares estão conectadas entre si, formando grupos de unidades urbanas com um uso eficiente da energia. “O mordomo energético analisa a atual oferta de eletricidade e seu preço, compara com a demanda potencial da unidade urbana e decide se é adequado começar a operar a máquina de lavar roupas ou temporariamente desligar refrigeradores e sistemas de calefação, a fim de otimizar o consumo segundo os preços e a oferta”, explicou à IPS.

Em outros sistemas, refrigeradores industriais podem ser empregados como lugares de armazenamento de energia nos períodos de muita oferta das fontes renováveis, quando os preços da eletricidade são altos. Este é o caso dos refrigeradores da indústria pesqueira na cidade de Cuxhaven, a apenas 20 quilômetros da costa no Atlântico norte. O provedor local de energia, a EWE, desenvolveu uma série de instalações de geração e reserva. Estas sustentam uma rede inteligente de pequena escala que inclui 650 casas, uma piscina comunitária, vários armazéns refrigerados e centrais combinadas de eletricidade e calor.

“Quando os parques eólicos no mar geram grande quantidade de eletricidade, esfriamos os armazéns a temperaturas extremas e os utilizamos como acumuladores” de energia, contou à IPS a diretora-gerente do projeto EWE, Tanja Schmedes. “Atualmente, precisamos de temperaturas de apenas 21 graus abaixo de zero nos armazéns”, afirmou Schmedes. “Quando a energia eólica é baixa, liberamos a que está armazenada nos refrigeradores da comunidade”.

Entretanto, estes modelos não são suficientes para administrar a enorme quantidade de eletricidade que a rede deve fornecer para o setor industrial alemão. Além disso, as linhas com as quais o país conta não podem transportar eletricidade de forma eficiente em distância superior a cem quilômetros, disse Stefan Kohler, diretor da Agência Alemã de Energia, escritório semigovernamental que coordena a exploração das fontes renováveis e as redes inteligentes.

“Necessitamos de uma rede mista, com linhas de 380 quilowatts capazes de transportar eletricidade alternada em distâncias relativamente curtas, e de alta tensão de corrente contínua, capazes de transportar grandes quantidades por longas distâncias”, explicou Kohler à IPS. E acrescentou que, no mais tardar até 2020, a Alemanha deveria utilizar pelo menos três linhas de alta tensão de corrente contínua, “do Estado de Schleswig-Holstein, no Mar Báltico, e do Atlântico norte até a Baviera”. Cada uma dessas linhas deveria ter 900 quilômetros de extensão. Envolverde/IPS