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A riqueza é feita pelas crianças

Bishkek, Uzbequistão, 20/10/2011 – Um menino de 13 anos se converteu na última vítima do trabalho forçado patrocinado pelo Estado no Uzbequistão, onde o regime continua ignorando os boicotes internacionais às suas práticas durante a colheita anual de algodão. Bakhodir Pardaev, da província de Kashkadarya, ficou em coma após ser atropelado por um veículo. Como muitos, era obrigado a caminhar até os campos perigosamente ao lado das rodovias. Grupos de direitos humanos dizem que o acidente foi apenas um dos muitos que os menores de idade sofrem a cada ano.

Nadejda Atayeva, da Associação pelos Direitos Humanos na Ásia Central, disse à IPS que “este é apenas um em uma série de semelhantes acidentes de tráfego vinculados com a campanha de colheita de algodão e a mobilização forçada de estudantes todos os anos”. “O país se converte em um acampamento de trabalho estalinista a cada colheita. Milhões de cidadãos comuns e seus filhos se tornam escravos do regime governante. Há acidentes, casos de alimentos intoxicados e doenças, mas as autoridades impedem a divulgação de qualquer informação”, acrescentou Atayeva.

Entre um milhão e 2,5 milhões de meninos e meninas, alguns de apenas dez anos, são obrigados pelas autoridades a participar da colheita todos os anos. Alguns são levados em ônibus de suas aldeias e instalados em dormitórios insalubres de acampamentos de trabalho, segundo grupos de direitos humanos.

O Uzbequistão é um dos maiores exportadores de algodão: embarca 850 mil toneladas por ano. Sua indústria algodoeira vale mais de US$ 1 bilhão ao ano e a colheita é considerada assunto nacional prioritário. Porém, mais de 90% da colheita é feita a mão, e as autoridades governamentais utilizam as crianças para cobrir as cotas previstas. Escolas, colégios e universidades são fechados por meses a cada temporada algodoeira, com o aval das autoridades da educação.

As famílias que se negam a enviar seus filhos para a colheita sofrem ameaça da perda de benefícios sociais, bem como dos fornecimentos de gás, água e eletricidade, e os menores podem ser expulsos de suas escolas. Por mais de uma década, grupos de direitos humanos fazem campanha contra o trabalho infantil forçado, e o regime ditatorial do presidente Islam Karimov descumpre suas reiteradas promessas de abolir essa prática.

O governo assinou acordos internacionais para acabar com o trabalho infantil e garante que desde 2008 crianças não participam das colheitas. Entretanto, vários grupos indicam que as crianças ainda são obrigadas a colher algodão. Representantes do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Uzbequistão disseram à IPS que pelo menos um milhão de crianças foram mobilizados na última colheita. A IPS também recebeu documentos do Fórum Uzbeko-Alemão para os Direitos Humanos mostrando comunicados de imprensa oficiais de autoridades provinciais enviados à imprensa local e a líderes comunitários detalhando a mobilização maciça de dezenas de milhares de estudantes para a colheita deste ano.

O regime não permite a entrada de representantes da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Contudo, a questão chama a atenção de importantes companhias ocidentais. No mês passado, as internacionais Walmart, Walt Disney, H&M e Adidas anunciaram um boicote aos produtos que utilizam algodão uzbeco. Mais de 60 outras grandes empresas se somaram ao boicote. Grupos de direitos humanos comemoraram o boicote, mas alguns temem que só isso não seja suficiente e não impeça que o algodão uzbeco continue chegando aos supermercados.

Às vezes, é impossível identificar a origem do algodão usado nos produtos têxteis. Especialistas do setor também afirmam que, embora clientes ocidentais rejeitem o algodão do Uzbequistão, ainda haverá compradores para esse produto. A feira internacional do algodão, realizada este mês no Uzbequistão e que atraiu mais de US$ 500 milhões em contratos, teve a presença de mais de 300 companhias de todo o mundo, mais do que no ano anterior. O país acaba de embarcar em novas sociedades comerciais com outras nações asiáticas, incluindo o Paquistão.

Em uma declaração à imprensa russa, um funcionário de comércio do Uzbequistão disse que o boicote “não é algo que faça o país sofrer gravemente”. Grupos de direitos humanos afirmam que os governos e as instituições internacionais devem exercer mais pressão para que o Uzbequistão observe seus compromissos de direitos humanos. Entretanto, tanto de Bruxelas quanto de Washington são emitidos sinais ambíguos em seu relacionamento com o país.

No começo deste ano, houve indignação porque Karimov foi recebido em Bruxelas pelo presidente da Comissão Europeia, José Durão Barroso. Enquanto isso, Washington é criticado por fortalecer suas relações com o Uzbequistão. O governo de Barack Obama, em particular, quer manter sua rota por território uzbeco para enviar suprimentos às suas tropas no Afeganistão. Envolverde/IPS