
A crise na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) continua se agravando. As reclamações quanto às condições do campus de Guarulhos, na Grande São Paulo, e os planos que a reitoria tem para mantê-lo no bairro dos Pimentas incomodam professores e estudantes. No artigo abaixo, Juvenal Savian, coordenador da Pós-Graduação em Filosofia da Unifesp, explica as reivindicações dos professores da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. “Em 2006, tentou-se fundar um campus ‘na’ periferia, mas esse campus não deve ser necessariamente ‘de’ periferia”, escreve o professor. Aqui você pode ler o dossiê A crise da Escola de Humanidades da Unifesp e sua permanência no Pimentas.
A Unifesp está prestes a alugar um prédio industrial pertencente à empresa Stiefel a fim de ali instalar parte da EFLCH (Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas), Campus Guarulhos (Bairro dos Pimentas), enquanto durarem as obras do campus definitivo. O prédio da Stiefel foi projetado para ser ventilado por um sistema de ar-condicionado central que requer atualmente adaptação. A empresa recusa-se a fazer a adaptação, propondo que a Unifesp a faça. Esta, por sua vez, diante de uma soma que pode chegar a R$ 2 milhões, considera a hipótese de alugar o prédio sem ar-condicionado.
Eis apenas um elemento do conjunto de soluções provisórias adotadas pela Unifesp para resolver a crise da EFLCH. Não se pode negar o empenho da Reitoria e da direção do campus, mas tais soluções são inadequadas ao funcionamento de uma faculdade cuja vocação são a alta pesquisa, a docência superior e a extensão. Há certamente um grave problema de assessoria no governo federal e na Unifesp. Prova-o o fato de que essas instâncias, ao analisar a crise da EFLCH, têm se concentrado em medidas de circunstância e em aumentar a segurança no campus, temendo as ocupações costumeiras do movimento estudantil. Mas negligenciam a tensão existente entre o bairro e o campus, o problema insolúvel de acesso (a menos que houvesse algum colossal projeto ferroviário ou metroviário), o isolamento cultural do campus, etc.
Há indícios de que atuam no campus não apenas diferentes grupos estudantis, mas também outros movimentos, de ideologia “extremista” e estabelecidos há mais tempo no bairro. Esses grupos conduzem, junto com alguns estudantes, a um enfrentamento das instâncias administrativas da Universidade e sobretudo do corpo docente. Como dizem, os docentes são elitistas, burgueses e oferecem formação inadequada, porque seu projeto é fundar uma universidade popular, com partilha dos bens do campus. Há também o incômodo explícito de algumas autoridades dos governos federal e municipal com o fato de a EFLCH não levar progresso ao bairro nem assistência social. Alguns docentes chegaram a assimilar essa consciência missionária, mas todos têm de admitir agora que a Unifesp só levou especulação imobiliária ao bairro e mais acepção social, porque sua formação beneficia 90% de estudantes que não vêm de lá. Por outro lado, ela é profundamente excludente, pois sua localização dificulta o acesso à imensa maioria de seus estudantes, facilitando-o apenas aos que moram no seu entorno.
À revelia de todos os problemas e tendo mesmo que lutar para justificar sua existência, o corpo docente da EFLCH tem feito o impossível para corresponder às elevadas exigências a que é exposto. Mas tocou-se o limite. As soluções provisórias são inadequadas e mesmo o projeto do novo campus já contém problemas. Todavia, reservam-se cerca de R$ 50 milhões para esse projeto, quase o dobro do orçamento anual de subprefeituras paulistanas como Pinheiros e Campo Limpo. Na contrapartida, há, na Praça da República, centro de São Paulo, prédios inteiramente apropriados para ensino e pesquisa em humanidades, com boa estrutura e por um terço desse preço.
A EFLCH foi criada para pôr em prática um Projeto Acadêmico específico; não foi criada para um bairro. E não se trata de falar de periferia ou de centro, pois em qualquer lugar onde não haja cultura formal, com acesso dificultado e ideologia de enfrentamento, não cabe um campus universitário. É preciso analisar a conveniência de a EFLCH continuar onde está. Em 2006, tentou-se fundar um campus “na” periferia, mas esse campus não deve ser necessariamente “de” periferia.
* Juvenal Savian é coordenador da Pós-Graduação em Filosofia da Unifesp.
** Publicado originalmente no site Carta Capital.