Daca, Bangladesh, 11/10/2012 – O nervosismo ainda não se dissipou em Bangladesh, onde há mais de uma semana um grupo de muçulmanos incendiou e saqueou mais de uma dezena de templos e casas de membros da comunidade budista do sul do país. Milhares de budistas têm a firme convicção de que a violência não acaba neste país de maioria muçulmana. Apesar de o governo tentar acalmar essa comunidade garantindo o apoio e a proteção do Estado, e de o presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos, Mizanur Rahman, pedir desculpas pelas atrocidades, parece que nada afasta o medo.
“Sofremos o impacto desta violência inesperada, mas chamamos todos a manterem a paz, pois o budismo prega a não violência”, disse Pranab Kumar Baruya, ex-professor da Universidade de Daca, em entrevista à IPS no monastério Dharma Rajika, da capital. “Queremos harmonia comunitária. Somos apenas um milhão de pessoas e precisamos do apoio do governo e da maioria da população do país no qual nascemos e no qual o budismo é praticado há mais de mil anos”, acrescentou.
A pressão para que o governo inicie uma investigação judicial sobre o ocorrido aumenta, e os principais empresários de Bangladesh se mostraram temerosos de que uma reiteração deste tipo de incidentes tenha impacto negativo na imagem, nos investimentos e no comércio internacional do país. A Federação de Câmaras de Comércio e Indústria de Bangladesh pediu ao governo na semana passada que tome medidas imediatas para garantir “que estes tipos de incidentes não voltem a ocorrer”.
“Ainda persiste a sensação de medo na comunidade budista, e é responsabilidade do governo aplacar os temores oferecendo segurança e levando os culpados à justiça”, disse à IPS o ex-secretário conjunto do governo de Bangladesh, Ranjit Kumar Barua.
Os distúrbios começaram em 29 de setembro, quando uma multidão de muçulmanos atacou templos budistas e incendiou casas no sudeste do país, onde reside a maioria dos membros desta comunidade. Os agressores gritavam palavras antibudistas e causaram distúrbios toda a noite no povoado de Ramu, no distrito turístico de Cox’s Bazar. A violência se espalhou às áreas vizinhas e continuou no dia seguinte.
O governo local precisou chamar o exército, paramilitares da Guarda Fronteiriça de Bangladesh e forças policiais para manter a ordem. Barua disse que a multidão queimou antigas relíquias budistas além de raros manuscritos de folha de palma com relatos religiosos e populares, conhecidos como Puthis, e danificaram centenas de estátuas de Buda.
“Quase todos os templos e monastérios, enfeitados com entalhes de madeira, foram queimados e danificados. Tinham centenas de anos, alguns construídos no final do Século 17 ou começo do seguinte”, afirmou o governo. “O dano é irreparável, e não há ninguém no mundo que possa compensar esta perda. As feridas podem ser curadas, mas continuarão sangrando no profundo de nossos corações”, disse à IPS o diretor residente do Centro Sima Bihar de Ramu, Pragyananda Bhikkhu.
“Os templos pertenciam aos budistas, mas também eram tesouros de incalculável valor para nosso país e parte de nosso patrimônio”, destacou o professor universitário Nehal Ahmed.
A polícia e algumas testemunhas disseram à IPS que a fagulha que acendeu a ira dos muçulmanos foi a fotografia de um Alcorão (livro sagrado do Islã) parcialmente queimado, ao que parece divulgado no Facebook por um jovem budista. Mas a foto teria sido colocada nessa rede social por outra pessoa, e o jovem apenas teria sido marcado nela, segundo um informe inicial sobre o acontecido.
“Isto é inaceitável neste país da Ásia meridional relativamente pacífico”, destacou Ahmed, ressaltando que Bangladesh não foi afetado pela violência desatada em várias nações islâmicas por causa do filme amador A inocência dos muçulmanos, que ridiculariza o profeta Maomé. “Morreu muita gente nos protestos do Paquistão por causa do filme contra o Islã, mas Bangladesh esteve bem tranquilo”, afirmou.
Dirigentes políticos da governante Liga Awami e do opositor Partido Nacionalista de Bangladesh acusaram-se mutuamente pelo ocorrido, o que só fez aprofundar a ansiedade da comunidade budista, que representa menos de 1% dos 167 milhões de habitantes deste país de maioria muçulmana. O ministro do Interior, Mohiuddin Khan Alamgir, que visitou o local dos acontecimentos imediatamente após ocorrerem, responsabilizou o Partido Nacionalista. A violência foi planejada, afirmou, acrescentando que foram encontradas pólvora e gasolina nas casas e nos monastérios incendiados.
A primeira-ministra, Sheikh Hasina Wazed, e o ministro do Interior também deram a entender que a comunidade muçulmana rohingya, cujos membros estão refugiados há duas décadas no distrito de Cox’s Bazar devido à perseguição e à violência sectária na vizinha Birmânia, teria instigado os ataques.
Por sua vez, Khaleda Zia, dirigente do Partido Nacionalista e ex-primeira-ministra de Bangladesh, disse no dia 6 que o governo era responsável pelos acontecimentos. Esta semana, a Suprem Corte ordenou ao governo que garanta a segurança da comunidade budista, bem como de outra minorias.
Na Birmânia, Tailândia e no Sri Lanka, monges budistas protestaram diante das respectivas missões diplomáticas de Bangladesh para expressar seu mal-estar e pedir uma investigação imparcial dos ataques a organizações de direitos humanos, como a Anistia Internacional e que o governo de Bangladesh envie imediatamente os culpados à justiça. Mas numerosos budistas sentem que a horrorosa recordação de um dos piores ataques contra sua religião continuará vivo, independentemente do resultado das investigações. Envolverde/IPS