O Ministério da Educação (MEC) divulgou esta semana, pela primeira vez, alguns dados do Censo Escolar, possibilitando, finalmente, ampliar os critérios de avaliação e comparação entre as escolas do Brasil. A partir de agora, além das notas obtidas pelos estudantes nas provas nacionais, sabemos também o número de estudantes por turma, a média de horas-aula, os índices de reprovação e abandono. É um bom começo.
Com mais informações, podemos superar a visão simplista que produz os rankings das melhores e piores escolas do país com base nas notas dos estudantes em exames. Ficamos sabendo, por exemplo, que entre as oito escolas melhor colocadas no ranking do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) de São Paulo, sete concentram mais de 30 alunos por turma, contrariando o que é indicado pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Se considerarmos as 28 melhor colocadas, 11 aglutinam mais de 35 jovens em uma mesma sala, sendo que algumas destas chegam ao assustador número de 50 alunos amontoados.
No ensino fundamental, as recomendações dos PCN de até 25 estudantes por sala no 1º ciclo e de até 30 no 2º não são seguidas por grande parte das escolas, inclusive quatro das campeãs do Enem.
A recomendação de número máximo de estudantes por turma objetiva justamente garantir a qualidade da educação oferecida. Número menor de estudantes possibilita mais atenção do professor, utilização de maior variedade de métodos e recursos didáticos e mais oportunidade de os estudantes participarem ativamente das aulas.
Assim, quando abrimos a caixa preta, percebemos que notas obtidas em provas não indicam necessariamente qualidade de ensino. Indicam, sim, capacidade da escola de treinar os alunos para responder testes e acirrado processo seletivo, voltado para manter os que já têm bom desempenho neste tipo de avaliação. Isto também pode ser verificado pelo outro dado divulgado pelo MEC: dentre as 40 melhor colocadas no Enem paulista, 18 reprovam mais de 5% dos estudantes, sendo que três superam a péssima média nacional de 12%. Alta média de reprovação indica, claramente, fracasso da instituição escolar na sua tarefa de ensinar e garantir processos significativos de aprendizagem.
Se somarmos os altos índices de reprovação aos rigorosos processos seletivos e às altas mensalidades cobradas, desvendamos grande parte do mistério da boa colocação no ranking do Enem de escolas com outros indicadores de qualidade ruins. A parte que falta da equação encontra-se, provavelmente, na redução dos processos de ensino-aprendizagem treinamento intensivo para responder a testes em momentos de prova.
Outro aspecto da caixa preta que começa ser conhecido com os dados divulgados pelo MEC é o que se refere à ideia de que as escolas privadas seriam necessariamente sempre melhores que as públicas. Certa vez, até mesmo o ministro da educação proferiu esta opinião como se fosse uma verdade. Embora na média o número de alunos por turma seja maior na escola pública (39) que na privada (26), os piores casos estão nas escolas privadas, inclusive entre as vencedoras do ranking do Enem.
Para abrir de vez esta caixa preta, o MEC deve dar continuidade à publicação de dados sobre as escolas, possibilitando aos brasileiros comparar escolas públicas e privadas em relação a: infraestrutura, acervo, material pedagógico, qualificação e remuneração das equipes escolares, tempo dos professores para planejamento individual e coletivo das aulas, nível de participação dos pais nas reuniões e demais atividades da escola, nível de mobilização de estudantes, pais e equipes para as eleições dos Conselhos Escolares, Grêmios, Associações de Pais e Mestres e diretores. Todos estes itens implicam direta e necessariamente a qualidade da escola.
Mas, mais importante que estes dados analisados separadamente, o que deve ser avaliado de fato nas escolas é a qualidade da sua proposta pedagógica, na sua forma e na sua efetivação diária. Esta qualidade pode ser aferida por processos de avaliação envolvendo as comunidades escolares e também por avaliações externas em relação à consistência, coerência e atualidade dos projetos pedagógicos e dos planos anuais, à consistência das produções dos estudantes, à relevância das produções dos professores e ao nível de inserção da escola na comunidade em que está localizada. Um bom modelo pode ser encontrado ali no MEC mesmo: nos critérios usados pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior) para avaliar as faculdades de educação.
* Helena Singer é socióloga com pós-doutorado em Educação e diretora pedagógica da Associação Cidade Escola Aprendiz.
** Veja também no Portal Aprendiz: “Especialistas defendem melhorias na estrutura e atuação de conselhos tutelares”.
*** Publicado originalmente no Portal Aprendiz.