Estudo inédito no Brasil reúne diretrizes para que os efeitos dos eventos extremos do clima sejam minimizados, com economia para o poder público e maior qualidade de vida para as populações.
De um lado tempestades nos centros urbanos, de outro secas prolongadas nas regiões dos reservatórios de água. Alguns dos principais efeitos das mudanças climáticas estão sendo cada vez mais sentidos pelas populações do mundo inteiro, inclusive no Brasil, da mesma forma que esses eventos extremos do clima têm causado enormes estragos e perdas. E preparar a sociedade para esses efeitos exige grandes investimentos.
Diante dessa situação, governos e entidades da sociedade civil têm se mobilizado para colocar em prática estratégias de adaptação a essa realidade, garantindo maior resiliência da sociedade aos seus impactos e redução de custos. Uma dessas estratégias é a Adaptação com Base em Ecossistemas (AbE), que embora já esteja melhor consolidada na Europa, ainda precisa ser mais desenvolvida no Brasil, país que concentra condições ideais para sua implantação em virtude de sua biodiversidade. A indicação é apontada no estudo da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza ‘Adaptação Baseada em Ecossistemas: oportunidades para políticas públicas emmudanças climáticas’, elaborado pelo ICLEI Brasil, com o apoio do Observatório do Clima, rede de organizações da sociedade civil que trabalha na agenda climática brasileira.
O estudo leva em consideração o conceito de AbE apresentado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) da ONU. O modelo prevê o aproveitamento dos serviços ambientais providos pelos ecossistemas conservados, bem como da sua biodiversidade, como parte de uma estratégia de adaptação mais ampla para auxiliar as pessoas e as comunidades a se adaptarem aos efeitos negativos dasmudanças climáticas (como secas e enchentes) em níveis local, nacional, regional e global. Alguns desses serviços prestados pelos ecossistemas bem conservados são: regulação da quantidade e qualidade da água, permeabilidade dos solos, permitindo a recarga do lençol freático, evitando enchentes, sequestro de carbono, purificação do ar, conservação do solo e dos recursos hídricos, proteção contra desastres naturais, regulação do microclima, entre outros. “Isso significa que ecossistemas equilibrados podem contribuir mais para a qualidade de vida das populações, no que se refere aos impactos das alterações do clima, do que ações que visam apenas à melhoria da infraestrutura física, tais como túneis para desvio de água, grandes obras de captação de água à distância e diques de contenção contra inundações”, afirma André Ferretti, gerente de estratégias de conservação da Fundação Grupo Boticário.
Pioneiro no Brasil, o principal objetivo do estudo é oferecer subsídios e recomendações práticas aos tomadores de decisão para a inserção de estratégias de AbE em políticas públicas pertinentes, como o Plano Nacional de Adaptação às Mudanças do Clima (PNA), em elaboração pelo Ministério do Meio Ambiente. Esse plano, que deve ficar pronto neste ano, reunirá diretrizes para promover medidas de adaptação às mudançasclimáticas no Brasil, abordando custos, efetividade e benefícios das medidas sugeridas. ”Conseguimos abrir um canal de discussão muito bom com o governo, o que fez com que pudéssemos apresentar os excelentes resultados da AbE na Europa e outros continentes, além de apresentar as oportunidades de aplicação aqui no Brasil”, destaca Malu Nunes, diretora executiva da Fundação Grupo Boticário.
Segundo a União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), ecossistemas bem manejados têm potencial maior de adaptação, resistindo e se recuperando mais facilmente dos impactos de eventos climáticos extremos, além de gerarem maior gama de benefícios (serviços ambientais), dos quais as pessoas dependem. Além dessas vantagens, as experiências mostraram que a AbE também é mais barata do que a chamada ‘infraestrutura cinza’, isto é, as construções convencionais, como muros ou diques de contenção, que são utilizados para barrar enchentes e sedimentos, impedindo que a água avance para as cidades.
Da natureza, tudo se copia
Há vários exemplos de aplicações bem sucedidas de AbE. No Vietnã, investiu-se na plantação e a manutenção adequada de manguezais. O objetivo era beneficiar de uma função natural desses ambientes, que agem como quebra-mares e protegem a zona costeira. Os custos da ‘opção natural’ foram muito mais baixos do que a reparação mecânica com diques da erosão que havia na área.
Outro caso é o tratamento de esgoto em áreas alagadas no Vale Hidden, na Califórnia (EUA). Uma normativa da região definiu que seria necessário retirar o nitrogênio do esgoto, e o custo do tratamento convencional era estimado em US$ 20 milhões. Após buscarem alternativas, o governo da cidade de Riverside decidiu implantar um projeto de AbE, no qual foi feito um sistema de tratamento por zona de raízes, conhecido porwetlands e inspirado no modo natural como o meio ambiente depura matérias orgânicas. Nele, foram utilizadas algumas plantas que têm a capacidade de filtrar resíduos e matéria orgânica, deixando a água limpa para retornar aos rios e córregos. A implantação do projeto de AbE custou US$ 2 milhões, proporcionando economia de 90%.
Na Europa, a restauração de zonas úmidas reduziu os problemas enfrentados pela Bulgária com as enchentes frequentes do Baixo Rio Danúbio. Os custos dos danos chegavam a US$ 396 milhões ao ano.
Com tantos exemplos práticos bem sucedidos, Malu Nunes relembra os benefícios globais das estratégias de adaptação com base em ecossistemas. “A curto, médio e longo prazos as estratégias de AbE beneficiam as comunidades, tornando-as mais resilientes e menos suscetíveis aos efeitos das mudanças climáticas; aos governos, pois economizam nos investimentos; e ao meio ambiente que é melhor conservado e oferecerá mais e melhores serviços ecossistêmicos. É um ciclo que beneficia a todos”, destaca Malu Nunes.
Pioneirismo na Europa
O estudo contabilizou experiências de Abe em todo o mundo e foram identificados 132 estudos de caso. Desses, 68 (44%) ocorrem na Europa desde 2009, sendo que o Brasil possui apenas 10 casos documentados. Alguns projetos encontrados até trazem características de AbE, porém, não mencionam exatamente com esta denominação, devido à falta de conhecimento e divulgação das práticas desse tipo de adaptação no país. “Acreditamos que esse documento orientador nacional que estamos lançando terá papel fundamental no apoio e divulgação das práticas de AbE no Brasil, ampliando aspossibilidades de financiamentos dessas iniciativas e incluindo essas práticas nas políticas públicas. O estudo completo está disponível para consulta nesse link.