por Marcus Eduardo de Oliveira (*) –
Falando com simplicidade, nunca é demasiado asseverar que o “funcionamento” de toda a economia, isto é, a capacidade de produzir qualquer coisa, exige recursos materiais e energia da única (vale o grifo) fonte existente, a natureza. Daí a necessidade de pormenorizar ao menos dois pontos cruciais que, não raras vezes, passam despercebidos: i) o sistema econômico é um subsistema do ecossistema global; portanto, trata-se de incomensurável risco afetar o sistema maior, o meio ambiente; ii) sem exceção, estamos todos dentro de um mesmo sistema, e basicamente devemos ter em conta que tudo o que é extraído da natureza a ela retorna em forma de lixo (alta entropia); logo, quanto mais aumentarmos a extração/produção, mais aumentaremos a entropia (grau de desordem de um sistema).
Fazendo uso de uma linguagem de fácil compreensão, vale registrar dois pontos importantes: Primeiro – se estamos usando de forma intensa e extensivamente os recursos da natureza (vista como um “almoxarifado da economia”), então parece óbvia a dedução de que seguimos por trilhas perigosas, colocando em apuro a civilização moderna. Desse modo, vamos aumentando as tensões estruturais no relacionamento historicamente conflituoso entre a economia, a sociedade civil e o seu meio natural; Segundo – gostemos ou não, já não é mais possível negar que nossa conduta nos condena. Diante disso, e de forma perceptível, parece mesmo que vale tudo em prol do aumento da escala de produção material; inclusive devastar os ecossistemas.
Logo, não é de se estranhar que permaneçamos cegos aos débitos ecológicos e visivelmente obcecados pela conquista material; tão obcecados que o gênero humano parece que foi contaminado pela pleonexia (apetite insaciável de possuir bens materiais). Grosseiramente fazendo mea-culpa, a verdade é que nossa espécie Homo sapiens-imprudentis segue com devotado vigor destruindo os ecossistemas naturais numa velocidade assustadora, assim como também o faz em relação às formas de vida conhecidas (vide, por exemplo, o avanço da defaunação, i.e., a extinção de espécies, e a morte das florestas e de tudo o que nela existe). Aos mais céticos, serve de exemplo o que segue:
(1) metade das florestas tropicais e temperadas do mundo já sumiu de nossas vistas;
(2) de 1970 a 2008, houve a perda de 28% de toda a biodiversidade da Terra;
(3) nas últimas cinco décadas, o número de espécies de vertebrados teve um declínio de 30% em todo o mundo;
(4) mais de 50% do habitat selvagem foi completamente destruído em 49 dos 61 países tropicais do Velho Mundo;
(5) entre 1970 e 2010, os sapiens-imprudentis destruíram 52% da fauna do planeta (notadamente as espécies de mamíferos, pássaros, répteis, anfíbios e peixes);
(6) trinta e cinco por cento dos mangues do mundo e 20% dos recifes de coral foram totalmente destruídos desde o início dos anos 1980;
(7) trinta e três por cento dos solos do mundo estão degradados, o que equivale a afirmar que perderam fertilidade, por isso não mais captam carbono da atmosfera, interferindo assim nas mudanças climáticas;
(8) pelo sistema das águas, já atingimos o ponto crítico de despejar nos mares, todos os anos, 10% das 100 milhões de toneladas de plásticos produzidas no mundo. A estimativa para o ano de 2050, pasmem, chega a ser odiosa: haverá mais plásticos do que peixes nos mares.
Uma nova economia baseada em uma racionalidade ambiental
Sejamos claros e objetivos: o estágio atual de devastação do mundo natural exige que a comunidade humana se esforce no sentido de elaborar uma nova economia baseada em uma racionalidade ambiental, estabelecendo para tanto um novo modo de produção material adaptado ao equilíbrio climático e ambiental; portanto, longe do modelo de economia que hoje nos direciona que sequer respeita a capacidade de recuperação da Terra, isto é, a sua resiliência (do latim resiliens, a capacidade de voltar ao normal). Com isso se quer destacar que o mais importante valor da economia, contrariando assim o senso comum, é a natureza (matriz de nossa existência). Sob essa inspiração, e abusando um pouco mais de uma linguagem cotidiana, deve ser devidamente esclarecido que está em jogo diversas consequências econômicas e sociais que são acarretadas por uma série de descompassos que o modo econômico de produção global termina por levar ao meio ambiente. Essa série de descompassos – que tem peso significante, frisa-se – pode ser traduzida na alteração das condições climáticas (devido à queima de combustíveis fósseis; ou seja, na maneira como “funciona” a economia global); no empobrecimento biológico da Terra (resultante do aumento da perda de biodiversidade, como já mencionado) e na preocupante diminuição dos serviços ecossistêmicos, incluindo entre outros a captura de CO2, a prevenção a erosão e desertificação, e a melhora da qualidade do ar.
Todo esse descompasso, ou seja, esse drama ecológico (se cabível for o termo), é mais bem percebido quando são lançados olhares ao que ocorre na fronteira entre a economia e a ecologia; não deixando ainda de observar com redobrada atenção o que se passa pelo lado social, em especial junto às populações carentes (vulneráveis), reconhecidamente as mais afetadas pela crise ambiental. Nessa direção, é dado saber que a comunidade humana permanece numa situação completamente desconfortável. O calamitoso quadro social de necessidades humanas básicas ainda não atendidas atualmente é bem conhecido. Citemos apenas dois dos casos mais gritantes que saltam à vista: um bilhão de habitantes do mundo sofre diuturnamente o drama da subalimentação, e 2,5 bilhões de pessoas não têm acesso a saneamento básico.
Voltando nossa atenção à narrativa central aqui contextualizada, é o caso de perguntarmos se o crescimento econômico, traduzido na expansão da oferta de bens e serviços, pode colaborar promovendo a emancipação desse contingente de necessitados e, a reboque, levar em consideração a necessidade de preservação do mundo verde? Partindo para uma rápida resposta, mas não deixando de observar a celeuma que envolve o crescimento (inovação tecnológica), a preservação da natureza (quando combinado ao termo crescimento sustentável) e a imediata possibilidade de melhorar a vida social, ouso levantar ao menos cinco pontos-chave que merecem reflexão:
1) o crescimento sustentável – seja dito, um oximoro – simplesmente é irreal, dado que a expansão da produção material colide, e também contraria, com a necessidade de preservar a natureza (recursos materiais e energéticos). Fora isso, é impossível repetir o ritmo de crescimento que o século 20 assistiu, uma vez que a dimensão desse “movimento”, vale notar, já não mais se limita a ficar aquém das fronteiras ecossistêmicas (isso implica em dizer, grosso modo, que a economia se tornou maior que as condições ecológicas);
2) a chamada ecoeficiência (fazer mais com menos), mesmo que seja intensificada e passe a contemplar de uma vez por todas um novo modo de produção econômica combinando a substituição de energias fósseis por renováveis e reduzindo o uso de recursos por unidade de produto, não traz garantia alguma de que compensará no curto e longo prazos os efeitos do crescimento econômico acelerado;
3) no confronto entre o alto crescimento econômico e a baixa preocupação ecológica, tão comum nos dias de hoje, é preciso estar atento ao aparecimento dos “custos do crescimento”, isto é, àquela situação em que os prejuízos ambientais superam os benefícios econômicos, condição que deve ser interpretada na convidativa expressão “crescimento deseconômico”, termo criado por Herman Daly;
4) embora tenhamos nos acostumado a medir desempenho econômico pelo nível de consumo material – erro grotesco, diga-se – é preciso não se desprender da compreensão de que há sim distinção entre o crescimento e o desenvolvimento, frisando, nesse estrito sentido, que crescer nada mais é do que promover o aumento da produção (ou seja, é atingir quantidade; ficar maior), ao passo que desenvolver se refere basicamente a conquistar bem-estar/bem-viver (logo, é atingir qualidade; ficar melhor);
5) por fim, e guardando certa proximidade com o item anterior, sempre que possível devemos evitar um mal-entendido: o aumento da riqueza de um País, quase sempre percebido no crescimento da economia, não corresponde em imediata melhoria da vida social; daí a constatação de que o crescimento, visto no mais das vezes como o beijo do Príncipe que desperta a Bela Adormecida, não é a solução de todos os males; e nem mesmo a elevação do PIB (reduzido a sinônimo de sucesso), cujos erros de interpretação são tão flagrantes quanto numerosos, pode ser apresentado, na prática, como um indicador supremo de prosperidade/felicidade. O crescimento, cumpre realçar, pode até nos fazer mais ricos, mas certamente não nos deixará mais felizes.
“A escolha é nossa”
Concluindo e falando ainda com certa simplicidade: tudo o que temos a fazer em prol da conquista de um mundo ecologicamente mais equilibrado (e socialmente próspero), consoante à relação existente entre o comportamento humano, a economia, e o meio ambiente, é colocar nosso jeito de viver dentro dos meios ecológicos conhecidos, partindo da orientação máxima de que cabe à comunidade humana, com muita prudência, organizar todo o aspecto da economia produtiva que facilita, no todo, a condição de vida humana. Portanto, a dedução feita aqui se refere sobretudo ao processo de mudança associado à consciência. Indo direto ao assunto: diante de tudo o que temos presenciado, no mínimo é cabível dizer que a história da relação entre o Homem, a Economia, e a Natureza, não mais pode continuar avançando pelo “lado ruim”. Inocência analítica à parte, a verdade é que temos tido pouco cuidado com o planeta que nos acolhe. Caso queiramos realmente marcar um novo tempo, precisamos agir ao menos em três direções: i) construir uma nova economia que dialogue com os princípios da ecologia; ii) organizar os serviços ecossistêmicos de modo benfazejo em relação ao trato humano; iii) estabelecer estratégias civilizatórias na radical defesa de uma postura favorável à natureza e ao projeto maior que o ser humano conhece, o sistema-vida.
Vale enfatizar: nada pode ser superior à defesa da vida. Se o aumento produtivo dos dias de hoje vem ocorrendo na contramão do equilíbrio ecológico, afetando sobremaneira a qualidade social da vida humana e aproximando-nos assim de um perigoso colapso ambiental, acelerando de vez o impasse civilizatório, somente nos resta com alguma coragem engendrar um percurso diferente de tudo o que fizemos até agora. Sem mais, para o pleno sucesso dessa ação, me posiciono ao lado daqueles que ousam acreditar que a comunidade humana, antes de mais nada, carece de assimilar com muita responsabilidade o que disse John Sawhill (1936-2000), ex-presidente da The Nature Conservancy: “No final, nossa sociedade será definida não somente pelo que criamos, mas pelo que nos recusamos a destruir. A escolha é nossa”.
(*) Economista e ativista ambiental.
Mestre em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo (USP)
Autor de “Civilização em desajuste com os limites planetários” (ed. CRV).