Bajura, Nepal, 10/3/2015 – Se não fosse um grupo de suas amigas da escola, Shradha Nepali teria se casado aos 14 anos. Oriunda da remota aldeia de Pinalekh, no distrito de Bajura, 900 quilômetros a oeste de Katmandu, capital do Nepal, a adolescente era uma provável candidata ao casamento infantil. Sua família de seis integrantes sobrevive com renda inferior a um dólar diário, obtido com a venda dos produtos que cultivam em sua pequena propriedade e algumas moedas adicionais por seu trabalho como diaristas.
Malesh Joshi, coordenador da organização não governamental PeaceWin, disse à IPS que a pobreza é um dos principais motivos do matrimônio precoce, uma opção de muitas adolescentes com poucas perspectivas de vida fora do trabalho árduo e da fome. Nepali contou à IPS que não “estava consciente das consequências” de sua decisão de se casar. Sem a intervenção de suas amigas seria mais uma das noivas infantis do Nepal.
Segundo um estudo de 2013 realizado pela organização Plan Asia e pelo Centro Internacional de Pesquisa sobre a Mulher, 41% das mulheres nepalesas entre 20 e 24 anos se casaram antes de terem a idade legal de 18 anos. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) classifica o Nepal entre os dez países com maiores taxas de matrimônio infantil.
A Ásia meridional abriga 42% das meninas noivas do mundo. O Nepal ocupa o terceiro lugar, atrás de Bangladesh e Índia, conforme estudo feito pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). O Nepal tem 27,8 milhões de habitantes, dos quais 24% vivem abaixo da linha de pobreza, segundo dados do Banco Mundial.
A Comissão Nacional da Mulher do Nepal considera que na prática do casamento precoce incidem fatores econômicos, sociais e religiosos. No cinturão austral de Tarai, por exemplo, a vigência do sistema do dote implica que quanto menor a menina menos seus pais deverão pagar ao noivo, o que leva muitos a se separarem de suas filhas em uma idade cada vez menor. Outros simplesmente casam suas filhas para terem uma boca a menos para alimentar.
E embora se dê cada vez mais importância à educação das meninas, a população rural e empobrecida ainda não a considera uma prioridade. A taxa de alfabetização entre as jovens de 15 a 24 anos é de 77,5%, enquanto a matrícula feminina no nível secundário cai para 66%, segundo o Unicef.
O casamento precoce é considerado, tanto em nível internacional quanto nacional, no Nepal, uma violação dos direitos humanos das meninas e uma prática com repercussões negativas sobre toda a sociedade. “As jovens que são menores de idade ao se casarem estão propensas a sofrer uma série de problemas de saúde e psicológicos”, apontou à IPS a representante adjunta do UNFPA no Nepal, Kristine Blokhus. “Existe um risco real de que a menina morra durante o parto e, mesmo que sobreviva, poderá ter problemas de saúde para o resto da vida”, acrescentou.
O casamento infantil limita gravemente as perspectivas de futuro das meninas, o que frequentemente impede seu acesso ao mercado de trabalho e as condena a depender do marido ou da família. O distrito de Bajura, onde vivem Shradha Nepali e suas amigas, lidera o caminho em iniciativas para combater essa prática. As diferentes localidades da área competem para se declararem “zonas livres de casamento infantil”.
Bajura fica na região do Distante Oeste do Nepal, onde se encontram algumas das aldeias mais remotas e com maiores problemas de desenvolvimento do país. A renda aqui é baixa e, portanto, há muitos casamentos infantis. A mudança não é fácil, mas isso não impediu que jovens como Rashmi Hamal, de 16 anos e presidente do Clube Infantil de Jyalpa, no município de Badi Millika, tentem fazê-la. “Já não temos medo porque a maioria dos membros de nossa comunidade quer lutar contra o casamento infantil”, destacou à IPS.
Ela é uma das dez jovens que, com ajuda da PeaceWin, da organização juvenil Desenvolvimento Inquieto e do Unicef, se reuniram em 2014 para definir estratégias contra o flagelo. “Essas meninas são heroínas. Realmente demonstraram o que podem fazer com suas campanhas educativas e ao inspirarem seus pais a unirem-se à causa”, afirmou Hira Karki, da PeaceWin.
O Clube Infantil de Jyalpa resgatou Nepali de seu casamento, pouco depois de ter fugido de casa. “Não posso culpá-la, porque queria fugir das dificuldades em sua casa. Agora espero poder apoiá-la de todas as formas possíveis”, disse sua mãe, de 35 anos.
Atualmente Nepali é uma das ativistas do clube mais tenazes contra o matrimônio infantil. Seu êxito é tangível, já que mais de 84 escolas de Bajura e nos distritos vizinhos de Kalikot, Accham e Mugu puseram em marcha iniciativas semelhantes no último ano. “Temos ativistas de nossa própria comunidade que vivem aqui e educam os adultos sem provocar seu antagonismo”, explicou Jahar Sing Thapa, diretor escolar.
Embora sejam pequenos, cada clube contribui com o esforço nacional contra a prática. Nos últimos cinco anos, a taxa de casamentos infantis caiu 20% no Nepal, segundo o UNFPA. As gestões locais e independentes são dignas de elogio, mas por si só não bastam para abordar o problema em escala nacional.
“Aprendemos com nossa própria experiência que não é suficiente simplesmente gerar consciência contra o casamento infantil”, afirmou Rownak Khan, representante-adjunto do Unicef. Falta uma estratégia multissetorial que inclua educação financeira, formação básica para a vida e apoio na geração de renda para as adolescentes, acrescentou.
Combinada com os 20 mil clubes infantis em todo o país, essa estratégia promete gerar uma mudança real no Nepal, para que um dia o casamento infantil seja coisa do passado. Envolverde/IPS
* Esta reportagem é parte de uma série elaborada pela IPS em celebração ao Dia Internacional da Mulher.