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Afegãos presos entre o terror e a corrupção

Um edifício destruído pela guerra no Afeganistão. Foto: Anand Gopal/IPS
Um edifício destruído pela guerra no Afeganistão. Foto: Anand Gopal/IPS

 

Herat, Afeganistão, 12/9/2013 – A estabilidade do governo de Hamid Karzai no Afeganistão está mais ameaçada por dentro do que por fora. O terrorismo e a corrupção são os principais males que minam seus fundamentos. “A corrupção está minando a pouca legitimidade que restava ao governo”, disse Qader Rahimi, da Comissão Independente de Direitos Humanos do Afeganistão, acrescentando que “a população não confia no governo. Não acredita que trabalhe para o bem de todos”.

A comunidade internacional até agora concentra seu esforço em lutar contra a rede radical islâmica Al Qaeda e o terrorismo, mas é tempo de se focar no combate à corrupção, “nosso maior inimigo”, acrescentou Rahimi à IPS. As estatísticas disponíveis confirmam esta urgência. Segundo informação reunida pelo Alto Escritório Afegão para Vigilância e Luta Contra a Corrupção (HOOAC) e o Escritório das Nações Unidas Contra a Droga e o Crime (UNODC), metade dos cidadãos deste país pagaram propina em 2012 quando realizaram um trâmite público.

O estudo Corrupção no Afeganistão: Padrões e Tendências Recentes, divulgado em fevereiro, calcula que os afegãos pagaram US$ 3,9 bilhões em propinas no ano passado. Faltando pouco mais de um ano para que as forças da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) cedam o controle total do território às autoridades locais, a sociedade afegã se pergunta quais os progressos obtidos desde 2001, quando a invasão liderada pelos Estados Unidos tirou do poder o movimento islâmico Talibã.

Muitos se perguntam como esse país pode avançar, se há 12 anos é palco de combates cada vez mais frequentes e destrutivos. Segundo o último informe sobre Proteção de Civis em Conflitos Armados, da Missão de Assistência das Nações Unidas no Afeganistão, o número de baixas civis aumentou 23% nos primeiros seis meses deste ano em relação a 2012. Toda esta situação se agrava com a falta de confiança da população na administração de Karzai.

“Há uma enorme brecha de comunicação entre povo e governo”, alertou Abdul Khaliq Stanikzai, gerente regional da não governamental Sanayee Development Organization. “A população não tem mecanismos nem instrumentos para ser ouvida e influir na tomada de decisões do governo”, explicou à IPS. Isto gerou uma grande desconfiança mútua, que se agrava devido à brecha entre as expectativas criadas e o êxito das aspirações em matéria econômica, de desenvolvimento, de direitos humanos, de funcionamento das instituições e, sobretudo, de justiça social e igualdade.

“Após a derrubada do Talibã, a população esperava um governo transparente e igualitário. Agora, ninguém espera nada do governo”, afirmou Asif Karimi, coordenador de projetos em Cabul do The Liaison Office, organização dedicada ao fomento da paz entre comunidades afegãs. A maioria dos afegãos repudia tanto o Talibã quanto o governo de Karzai, pontuou.

Por sua parte, Mirwais Ayobi, professor de direito e ciências políticas na Universidade de Herat, acredita que a população se volte cada vez mais ao movimento islâmico. “Se é pedido ao Talibã que resolva uma disputa, se foca em conseguir uma reconciliação”, disse à IPS. Ayobi considera que a corrupção no sistema político e administrativo é um enorme desafio, porque mina a confiança dos cidadãos.

O Afeganistão ficou em terceiro lugar no Índice de Percepção da Corrupção 2012, elaborado pela organização Transparência Internacional, atrás de Somália e Coreia do Norte. O valor dos subornos varia de um setor para outro, segundo o estudo HOOAC-UNODC. “As propinas costumam ser maiores no sistema judicial”, apontou Ayobi, onde a média é de US$ 300. Os subornos cobrados por funcionários de alfândegas giram em torno de US$ 200, e os exigidos por outros funcionários públicos variam de US$ 100 a US$ 150.

Muitos analistas acreditam que se trata de um problema estrutural, entre eles Rahman Salahi, ex-diretor da Shura de Profissionais de Herat, organização não política que reúne advogados, economistas, professores, engenheiros e outros que pedem uma participação mais ativa da sociedade civil na reconstrução do país. “Até há poucos anos, tínhamos o que basicamente era um sistema econômico socialista, baseado no molde deixado pela ocupação soviética”, explicou Salahi à IPS. “Quando a comunidade internacional interveio, adotamos um sistema de livre mercado sem contar com as adequadas estruturas institucionais para supervisioná-lo ou para adotar pautas”, ressaltou.

Antonio Giustozzi, catedrático visitante no Departamento de Estudos de Guerra no King’s College de Londres e especialista em Afeganistão, explicou que “a quantidade de ajuda enviada ao país, bem como os mecanismos para sua distribuição, excederam a capacidade de absorção da sociedade e das instituições para administrá-la”. Este desajuste entre o fluxo de ajuda e a estreita capacidade de absorção deu lugar à corrupção, que agora está “totalmente enraizada no sistema político”, afirmou o analista.

Além dessas razões estruturais, a comunidade internacional também teria fomentado uma cultura de impunidade no país, ao fortalecer os senhores da guerra. Órgãos internacionais “deram poder político e dinheiro aos senhores da guerra, que cometeram crimes, mataram milhares de inocentes, e estão envolvidos no sistema de corrupção”, indicou Sayed Ikram Afzali, chefe de lobby e comunicações da organização Integrity Watch Afghanistan.

“A população pensava que as coisas mudariam, que haveria justiça e igualdade após a derrota do Talibã”, contou Afzali à IPS, mas isso não aconteceu. Porém, acredita que ainda há esperança. “Os senhores da guerra não tinham raízes na população, porque negaram a justiça social aos afegãos e sequestraram o Estado. É tempo de o Estado se libertar destas pessoas”, ressaltou. Envolverde/IPS