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África com dores de crescimento

Bosena mendiga nas ruas de Adis Abeba com seu bebê nos braços. Foto: Jacey Fortin/IPS
Bosena mendiga nas ruas de Adis Abeba com seu bebê nos braços. Foto: Jacey Fortin/IPS

 

Adis Abeba, Etiópia, 7/10/2013 – Não longe da sede da Comissão Econômica para a África (Cepa), na capital da Etiópia, uma mulher de 25 anos chamada Bosena está sentada em uma rua movimentada com seu bebê nos braços. Com dois filhos, e toda sua renda, cerca de US$ 1,58 por dia, obtida mendigando, ela chegou à cidade procedente do campo, com a esperança de garantir boa educação a eles. “Mas, se não consigo dinheiro suficiente, não poderão ir à escola”, lamentou à IPS.

Virando a esquina, na sede da Cepa, uma agência especializada da Organização das Nações Unidas (ONU), eram discutidos os problemas que afetam Bosena, como urbanização, situação da infância, pobreza e educação. O encontro foi a Conferência Regional sobre População e Desenvolvimento para Depois de 2014, que começou no dia 30 de setembro e terminou em 4 de outubro.

A última de uma série de reuniões regionais em todo o mundo foi dedicada a avaliar os progressos alcançados desde 1994, quando a primeira Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento adotou, no Cairo, um Plano de Ação perante as mudanças demográficas que o planeta experimentava. Muitas coisas mudaram nas duas últimas décadas.

A população da África experimenta um incrível crescimento: a cada ano são mais 21 milhões de pessoas e logo chegará a 1,2 bilhão. Um informe da ONU,divulgado em setembro, indicava que até o final deste século esse número poderá triplicar. Isso colocará uma enorme carga sobre os governos de todo o continente, que já devem enfrentar a pobreza e o subdesenvolvimento.

Entretanto, não se ouviu apenas notícias ruins na Conferência. A África tem algumas das economias de mais rápido crescimento do planeta. O Fundo Monetário Internacional previu este ano que o crescimento do produto interno bruto (PIB) da África subsaariana chegará a 6,1% em 2014, superando de longe a média mundial, estimado em 4%. As cidades estão se transformando em centros de atividade econômica, por isso não surpreende que o auge populacional se concentre nas cidades.

O continente ostenta o maior ritmo de urbanização: em 1950, apenas 14,4% de seus habitantes viviam em cidades. Em 2011, a proporção passou para 39,6%. Se for mantido o atual desenvolvimento econômico, o crescimento demográfico poderá representar uma grande oportunidade. Mais de 70% da população do continente tem menos de 30 anos, e estes jovens poderiam gerar uma incrível produtividade no futuro.

“A população pode ser um ativo”, disse à IPS o economista-chefe do Banco Mundial para a região africana, Abdo Yazbeck. “As economias estão crescendo para permitir a absorção desse aumento (demográfico), que gera mais renda e mais impostos, e isso reduz a pobreza”, explicou.

Segundo Yazbeck, “enquanto esses novos habitantes se diplomam e começam a trabalhar, os países precisam de um sistema bancário que funcione para que os trabalhadores possam economizar e sejam gerados recursos para investir”. Mas tirar proveito deste “bônus demográfico” não será fácil. Trata-se de um fenômeno com inúmeras causas e efeitos, e abordá-lo implica um esforço em várias direções.

“Na última instância, só o que funciona é o enfoque de direitos humanos, e é por isso que não estamos falando de controle da natalidade”, disse à IPS a subdiretora-executiva do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), Anne-Birgitte Albrectsen. O UNFPA é a entidade encarregada da implantação mundial do Plano de Ação do Cairo. “A elevada fertilidade representará um desafio à capacidade dos países para criar um desenvolvimento sustentável”, alertou Albrectsen.

Os direitos das mulheres foram tema central na conferência. O UNFPA destinou a maior parte de seus esforços nas últimas duas décadas a promover o planejamento familiar e a educação sexual e a combater a mortalidade materna e o casamento precoce. Ainda há muitos problemas: a ONU estima que 29% das adolescentes da África subsaariana estão casadas, e que a cada ano há 2,2 milhões de gravidezes não desejadas. A Organização Mundial da Saúde informou que mais de seis milhões de mulheres ao ano se submetem a abortos inseguros e às vezes fatais.

Mas o UNFPA e seus sócios, governos nacionais, Banco Mundial e doadores privados, podem se alegrar por vários progressos. Um programa para combater a mutilação genital feminina contribuiu para que dez mil comunidades da África ocidental e oriental rejeitassem a prática. As mortes maternas caíram 41%. Em todo o continente foram abertos vários abrigos para vítimas de violência doméstica.

Os homens não estão marginalizados dessas iniciativas. Programas de promoção e informação inspiraram líderes comunitários a explicar que o empoderamento das mulheres beneficia todas as famílias. Essas mudanças são mais importantes do que se concentrar no controle da natalidade, afirmam analistas.

“Não tem sentido ver os números de população isoladamente e tirar conclusões sobre suas possíveis implicações”, advertiu Julia Schünemann, pesquisadora do africano Instituto para Estudos de Segurança. “No positivo, o aumento da população na África provavelmente implique maior bônus demográfico, que impulsione o PIB, porque haverá mais pessoas economicamente ativas”, afirmou. Agora, “como se traduzir isto em melhor e mais equitativo desenvolvimento humano dependerá obviamente de muitos fatores estruturais e medidas políticas”, acrescentou.

Essas ações não podem ser forçadas. Devem começar debaixo, um aspecto no qual o UNFPA vem trabalhando desde 1994. Hoje, as comunidades e os governos do continente se dedicam cada vez mais aos assuntos mais controversos, e isso é promissor para as próximas duas décadas, afirmou Schünemann. “O que estamos vivendo na África é uma maior vontade política dos governos. Há grande disposição em falar de temas tabus, como a violência de gênero, mutilação genital feminina e identidade sexual”, destacou Schünemann. “Também vimos nesta Conferência que os políticos querem ir além da agenda existente. Isso é muito bom”, ressaltou. Envolverde/IPS