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África pobre em busca do Sul

Genebra, 24/11/2011 – A convergência das principais economias emergentes do Sul, como Brasil, China, Índia e África do Sul, para ajudar os países mais pobres da África subsaariana e de outras regiões, é a nova dinâmica de desenvolvimento promovida pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad). Em um estudo sobre os 48 países menos adiantados (PMA), esta entidade pediu uma “nova forma de desenvolvimento” para romper com as políticas de “desajuste estrutural que causam ciclos de auge e decadência, bem como depressão econômica”.

Dois terços dos PMA – como são identificados os países cujas populações têm renda média inferior a um dólar por dia – ficam na África. Os indicadores negativos sugerem que são os mais afetados pelas políticas voltadas ao mercado promovidas pelo Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial, segundo especialistas. “As políticas neoliberais os devastaram”, disse o secretário-geral da Unctad, Supachai Panitchpakdi. “Transformaram os países da África subsaariana de produtores de alimentos em meros importadores”, ressaltou.

“Os PMA sofrem uma marginalização que não para, e o que dizemos é que, mantida esta tendência, se converterão, mais cedo ou mais tarde, em grandes centros de extrema pobreza na economia global”, alertou Charles Gore, diretor da divisão para a África de países menos adiantados e programas especiais da Unctad. “A única forma de reverter a tendência é criar um novo tipo de Estado, catalisador do desenvolvimento nos países mais pobres com um contexto político adequado, que promova uma transformação estrutural”, explicou Gore à IPS.

“A cooperação Sul-Sul abre mais oportunidades e o necessário espaço político para construir o Estado catalisador do desenvolvimento”, afirmou Gore, acrescentando que a ajuda econômica e técnica de Brasil, China e Índia não impõe condições. Também rebateu as afirmações de que os PMA só exportam petróleo e outras matéria-primas para a China. O estudo, divulgado pela Unctad no dia 17, alerta sobre os riscos de depender de elementos básicos. E também aponta exemplos positivos do aumento das exportações de produtos manufaturados para as nações em desenvolvimento, que chegou a 18% ao ano, em média, na última década.

Os PMA têm pela frente grandes desafios no atual contexto das más condições comerciais no âmbito internacional e de crise econômica hemorrágica nos principais países industrializados. A única forma plausível de manter-se à tona nestes tempos difíceis, e manter o crescimento econômico no médio e curto prazos, é incentivar a associação com as grandes economias do Sul, diz o informe. O produto interno bruto combinado dos PMA aumentou 5,7% no ano passado, “uma ligeira melhora de um ponto percentual em relação a 2009, mas bem abaixo dos 7,1% alcançados no período de auge, entre 2001 e 1008”, diz o estudo.

As últimas estimativas indicam que os PMA crescerão 4,9% este ano, sendo que os países asiáticos e insulares menos adiantados crescerão 5,2% e 5,4%, respectivamente, mas na África e no Haiti, provavelmente, seja de 4,9%. Em termos de produto interno real, o crescimento da renda por habitante será de 2,1% nos PMA africanos, apenas suficiente, devido ao grande aumento da população. Os países asiáticos têm melhor previsão. A Unctad estima que, em médio prazo, o crescimento será de 5,8%.

“Está claro que será um assunto dos PMA asiáticos”, disse Gore, referindo-se ao fato de os países mais pobres da África não estarem prontos para desenvolver seu potencial. “A razão do melhor rendimento dos PMA asiáticos tem muito a ver com a metáfora de ‘gansos em voo’, como é conhecido o processo de industrialização das economias mais atrasadas na divisão internacional do trabalho na Ásia-Pacífico, baseado na dinâmica de vantagem comparativa”, explicou à IPS. Em seu voo migratório, o ganso mais forte marca o rumo e rompe a resistência do ar, seguido dos demais em duas filas horizontais convergentes em direção ao líder.

O Japão conseguiu se converter em um país industrializado nos anos 1950 e 1960, na medida em que os países Ásia-Pacífico cresceram e elevaram seus níveis de vida relativos e os salários reais se voltaram a setores de produção de maior valor agregado. Isso deixou espaço para que os menos adiantados expandissem sua produção nesses espaços. O desempenho dos PMA asiáticos, Bangladesh, Camboja, e inclusive o Nepal, é impressionante graças à sua indústria têxtil e à exportação de outros produtos manufaturados. Por outro lado, os exportados pelos africanos estão constituídos por matérias-primas processadas, com um valor agregado inicial.

Estes últimos deveriam adotar o modelo de industrialização da Ásia-Pacífico, no qual o Estado desempenha um papel dominante na criação de novas e produtivas capacidades e na transformação estrutural, afirmou Panitchpakdi à IPS. Também deve oferecer subsídios industriais e crédito para o desenvolvimento da indústria e implantar fortes políticas sociais em matéria de educação e saúde, ressaltou.

A cooperação Sul-Sul pode mudar o rumo da associação de economias emergentes, fora do Norte industrial. “Os benefícios da cooperação Sul-Sul promovem a criação das capacidades do estado de desenvolvimento e os objetivos deste nos PMA, enquanto o estado de desenvolvimento gera e amplia o impacto do desenvolvimento na cooperação”, acrescentou Panitchpakdi.

No contexto atual de escassa assistência oficial ao desenvolvimento prometida pelos países ricos, uma contribuição de apenas 1% das nações em desenvolvimento mais fortes, dos US$ 3,5 trilhões de reservas de divisas dos fundos soberanos, pode significar uma ajuda importante para os Estados mais pobres. É ali onde o “regionalismo para o desenvolvimento” pode ter um papel importante, ao “aceitar a globalização enquanto tendência histórica, mas rechaçando seu enfoque voltado para o mercado”, acrescentou Panitchpakdi. Envolverde/IPS