Iaundé, Camarões, 28/7/2014 – Nos últimos 13 anos, Michael Ndah, de 37 anos, trabalhou para três construtoras de estradas em Camarões, mas só nos dois últimos anos sua empresa atual o inscreveu no Fundo Nacional de Seguridade Social (CNPS). O CNPS é um sistema de pensões para os trabalhadores do setor privado, que só têm acesso a ele se as empresas onde trabalham os inscrevem. O Fundo inclui atenção médica geral, cirúrgica e hospitalização, mas a cobertura que cabe a Ndah não inclui a saúde de sua família. “Quando minha mulher vai ao hospital não posso usar o cartão do seguro para o tratamento e dizem que primeiro tenho de pagar em dinheiro”, contou à IPS.
O Código Trabalhista de Camarões estipula que 7% do salário dos trabalhadores são destinados ao CNPS todo mês, com um teto salarial fictício calculado pelo sistema em cerca de US$ 640 mensais, mesmo se a pessoa ganha mais. Trata-se de um sistema contributivo em que 2,8% dos pagamentos cabem ao trabalhador e o restante ao empregador. Mas as pensões, em geral, são baixas porque são calculadas segundo o teto fictício. E essa é uma grande preocupação para Ndah. “Não sei se antes da aposentadoria terei contribuído o suficiente para ter direito a uma pensão mensal”, afirmou.
O número de trabalhadores pertencentes ao CNPS também é baixo. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), cerca de 53,3% dos 21,7 milhões de habitantes do país têm idade para trabalhar, entre 16 e 64 anos, mas apenas 10% deles estão assegurados pelo CNPS.
“Supõe-se que todos os trabalhadores do setor formal devem estar inscritos na previdência social até oito dias após a assinatura do contrato de trabalho, mas muitas empresas não aplicam a lei”, explicou à IPS John Yewoh Forchu, um inspetor do Ministério do Trabalho e Seguridade Social. A alta taxa de desemprego no país, cerca de 30%, favorece as empresas que, na maioria, não estão dispostas a contratar seus empregados formalmente.
Warda Ndouvatama, um administrador civil de Iaundé e especialista em segurança e proteção social, garantiu que a maioria das companhias declara ter uma quantidade menor de trabalhadores contratados para evitar a contribuição à seguridade social. Este fenômeno não é comum apenas em Camarões, mas também em muitos países africanos onde mais de 70% da população trabalha no setor informal, sem contratos de trabalho, disse à IPS. “Isso repercute muito na capacidade das pessoas para lidar com as eventualidades presentes e futuras”, acrescentou.
Embora a África goze atualmente de maior crescimento econômico e bem-estar em geral, o último Informe sobre Desenvolvimento Humano (IDH) do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) recomenda que os países do continente redobrem a luta contra a pobreza. O informe de 2014, divulgado na semana passada, afirma que os programas de proteção social fornecem uma camada adicional de apoio porque ajudam as famílias a evitar a venda de seus bens, a manter seus filhos na escola ou a receber atenção médica necessária, tudo em beneficio de seu bem-estar no longo prazo.
“Um erro comum é o de que somente os países ricos podem ser dar o luxo da proteção social ou dos serviços básicos universais. Como documenta o novo informe, a evidência indica o contrário”, segundo o informe do Pnud. “Com exceção das submetidas a conflitos violentos e instabilidade, a maioria das sociedades pode, e muitas o fazem, instaurar os serviços básicos e a proteção social”, acrescenta.
Mutale Wakunuma, coordenadora nacional de Zâmbia da Plataforma da África para a Proteção Social, uma aliança regional de organizações sociais, concordou com o Pnud. “Existe uma evidência esmagadora sobre a função da proteção social na redução da pobreza extrema e como ajuda aos países para se recuperarem das crises, mas precisamos que os governos a implantem seriamente”, destacou.
As políticas de proteção social que ajudam a mitigar a pobreza são poucas, pontuou Wakunuma à IPS. Por isso o IDH “observa que, apesar dos avanços, a África subsaariana é a região mais desigual do mundo”, acrescentou. Lisa Simrique Singh, economista do Pnud em Iaundé, observou que a análise mundial e nacional em torno da agenda social pós-2015 se centra na “resiliência e no crescimento sem exclusões. Para que o crescimento em Camarões seja resiliente, falta uma estratégia centrada na população”.
“É necessária uma estratégia sistêmica que combine intervenções em níveis macro, micro e setoriais, para atender as necessidades reais dos pobres. E como instrumento de política de Estado, a proteção social deve se integrar à agenda global do crescimento do país”, acrescentou Singh. “A seguridade social existe atualmente, mas só inclui e beneficia o setor formal, que representa cerca de 10% da população”, disse a economista. Nesse contexto, Camarões planeja a reforma do CNSP.
Entre as mudanças previstas está o aumento da contribuição mensal de 7% para 13% do salário, criação de um sistema de seguridade para o setor informal e cobertura de saúde universal que garanta acesso ao tratamento médico, inclusive quando o paciente não tem dinheiro. As autoridades do CNSP reconhecem que, se não forem incorporadas mais pessoas, até 2020 o sistema de seguro social estará em problemas.
O sistema, “de 1974, é antigo. Deve ser reformado porque agora temos uma população mais envelhecida do que antes dos anos 1990, quando dez trabalhadores pagavam um aposentado. Hoje, esses dez pagam seis aposentados”, explicou o inspetor Forchu. Envolverde/IPS
* Com colaborações de Amy Fallon (Kampala, Uganda) e Friday Phiri (Lusaka, Zâmbia).