Hospitais públicos geridos pela iniciativa privada são mais eficientes, defende o secretário de Saúde de São Paulo, Giovanni Cerri. Foto: Letícia Moreira/Folhapress

Doutor e livre-docente pela Universidade de São Paulo (USP), Giovanni Cerri rapidamente atingiu os mais altos cargos da carreira médica e acadêmica: professor titular de radiologia, diretor do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) e integrante do Conselho Administrativo do Hospital Sírio-Libanês. Recentemente foi escolhido para dirigir pela segunda vez a mais prestigiosa escola de medicina do Brasil, a Faculdade de Medicina da USP. Fato raro na história da instituição.

Mal tinha comemorado esse feito, Cerri foi novamente “escolhido” para encarar outro desafio: assumir a Secretaria Estadual de Saúde. Ao médico Riad Younes, colunista de CartaCapital, Cerri fala sobre as dificuldades do setor público e como planeja melhorar o atendimento à população.

CartaCapital: Qual é a diferença entre dirigir uma faculdade e a Secretaria de Saúde?

Giovanni Cerri: Na universidade, a escala é muito menor, há maior homogeneidade no pessoal com quem trabalho, enquanto na Secretaria há pessoas não tão qualificadas e com desenvolvimento heterogêneo. Gerenciamos uma rede com cem hospitais e 50 instituições de assistência, como as unidades de Atendimento Médico Ambulatorial (AMAs). São mais de cem mil funcionários na administração direta, uma diversidade enorme. Tem também o braço industrial ligado à Secretaria, como o Instituto Butantan. É um orçamento de R$ 15 bilhões de difícil gestão.

CC: Após tantos anos na universidade, o que o fez aceitar o convite para assumir a Secretaria?

GC: A capacidade de mudar a sociedade, de impactar a vida das pessoas, é mais fácil na Secretaria de Saúde. Será possível implantar todas as mudanças necessárias? Esta é uma grande dúvida, mas dentro do governo existe essa possibilidade.

CC: O orçamento é suficiente?

GC: Apesar do número grande, sofremos com um crônico quadro de subfinanciamento da saúde, quando se exige uma medicina de qualidade. No Brasil, gasta-se, em saúde, US$ 900 anualmente por pessoa. Desse montante, 54% vai para o setor privado. Portanto, apenas cerca de US$ 400 são repassados ao setor público.

CC: A gestão na saúde não é falha?

GC: O problema de gestão não está confinado à Secretaria de Saúde. É um problema endêmico no Brasil. Tem pouca gente qualificada que queira se dedicar ao setor público. As melhores cabeças de São Paulo e do Brasil, infelizmente, continuam sendo atraídas pelo setor privado, que paga melhor, oferece planos de carreira interessantes e uma estrutura de trabalho mais eficiente.

CC: As universidades públicas têm, ainda hoje, excelentes profissionais.

GC: Na universidade é um pouco diferente. As faculdades públicas ainda atraem os melhores professores, que estão lá pela carreira acadêmica, e não pelos salários. Antigamente, o setor público atraía bons médicos. Eles tinham plano de carreira, bons salários e estabilidade. Hoje em dia, tudo isso desapareceu.

CC: Como o senhor avalia as Organizações Sociais (OS)?

GC: As OS foram criadas pelo Estado para que a iniciativa privada pudesse gerir hospitais públicos. Um exemplo é o Icesp, que funcionou muito bem por aliar a academia e a vontade de sucesso nessa instituição. Gente muito qualificada do Hospital das Clínicas e de outros centros ingressou no Icesp por realização profissional, e não necessariamente pelos salários, apesar de a remuneração ser diferenciada quando comparada com outras instituições públicas.

CC: Vale a pena espalhar essa experiência?

GC: O Icesp é um sistema muito caro para os cofres públicos.

CC: Como o senhor avalia a eficiência das OS que assumiram hospitais públicos?

GC: Metade dos hospitais do Estado é gerida por OS. Têm desempenho melhor, mas são hospitais mais novos, com salários diferenciados. Não sei se podemos, tranquilamente, compará-los com instituições mais antigas, muitas vezes defasadas, nas quais os profissionais recebem salários inferiores. Estamos comparando instituições novas, com gestão moderna e ágil, com instituições antigas, com a gestão engessada típica do setor público.

CC: Como está o plano de regionalização no atendimento de saúde do Estado anunciado no início da sua gestão?

GC: Para dar certo, os municípios de cada região têm de identificar suas necessidades. Depois precisam criar mecanismos para suprir as demandas. É fundamental que todos os níveis de atenção (primária, secundária e terciária) funcionem adequadamente. Não adianta continuar com o nosso sistema atual. Você entra no pronto-socorro do Hospital das Clínicas de São Paulo, um dos maiores da América Latina, e vê dezenas de pacientes aguardando atendimento em macas. Quando olha com cuidado, percebe que muitos desses pacientes não precisariam ser tratados em hospital de tamanha sofisticação.

CC: O que acontece?

GC: Falhas do atendimento primário. Os doentes procuram hospitais secundários ou terciários. Sobrecarregam o sistema.

CC: Como essa crônica distorção poderia melhorar?

GC: Acredito que o Estado deveria controlar o fluxo de pacientes entre a atenção primária e a secundária. E encaminhar os pacientes aos hospitais mais adequados às suas necessidades, com vagas disponibilizadas rapidamente.

CC: Algo semelhante ao controle de leitos de UTI nos hospitais do Estado, instalado recentemente?

GC: Sim. Estamos planejando uma rede de tratamento de câncer. Identificamos o paciente com câncer, suas necessidades, e indicamos o hospital para o qual ele deve se dirigir. Vamos criar ainda uma rede de referências para doenças cardiovasculares e mentais.

CC: E a dupla fila nos hospitais públicos, que reservam 25% de seus leitos para pacientes com convênios privados?

GC: Hoje, no Icesp, 18% dos pacientes atendidos têm convênios privados. A instituição não recebe nada por isso, pois a OS não pode cobrar. A ideia não é criar dupla fila, e sim dar condições para que hospitais públicos possam eficientemente cobrar os convênios pelos doentes que eles atendem. Não existe reserva de leitos. A fila é única, por ordem de chegada, mas não permitimos que mais que 25% dos leitos sejam preenchidos por pacientes privados. A lei já existia e estipulava 25%. Esse número não é novo, somente será utilizado para evitar excessos.

* Publicado originalmente no site da revista Carta Capital.