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Agenda de cúpula nuclear não alcança potências armadas

Míssil Trident lançado do Cabo Canaveral, nos Estados Unidos, em janeiro de 1977. Foto: Domínio Público.
Míssil Trident lançado do Cabo Canaveral, nos Estados Unidos, em janeiro de 1977. Foto: Domínio Público.

 

Nações Unidas, 14/2/2014 – Quando aproximadamente 50 governantes mundiais se reunirem, em março, na Holanda, na Cúpula de Segurança Nuclear, a atenção estará voltada para uma questão política pesada: como impedir que atores não estatais e terroristas obtenham armas ou materiais nucleares? Porém, há quem coloque outra inquietação, igualmente séria mas ignorada durante muito tempo: como impedir o uso de armas nucleares pelos oito países que já as possuem?

Alyn Ware, assessora da Associação Internacional de Advogados Contra as Armas Nucleares, acredita que o problema da Cúpula de Segurança Nuclear é que se centra somente em um terço do panorama: os atores não estatais que nem mesmo têm esse armamento. “Não se aborda o panorama mais amplo: as ameaças atuais e reais dos arsenais dos Estados já armados, e os riscos de proliferação para outros Estados”, destacou à IPS.

Todas as potências nucleares (Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, China, Rússia, Índia, Paquistão e Israel) participarão da Cúpula, que acontecerá nos dias 24 e 25 de março, na cidade de Haia. A Coreia do Norte, que não é uma potência nuclear publicamente declarada, não figura entre os 58 países que estarão presentes na conferência internacional, que também se espera atrairá cerca de cinco mil delegados e três mil jornalistas. O governo da Holanda considera este encontro como “a maior reunião de seu tipo na história do país”.

Sobre os temores de que essas armas “caiam em mãos equivocadas”, Ware opinou que, quando se fala de armamento nuclear, “não há mãos corretas”. O Tribunal Internacional de Justiça de Haia confirma há tempos que a ameaça e o uso de armas nucleares são ilegais, independentemente de quem as possua ou as use, e que existe a obrigação de conseguir um desarmamento nuclear completo.

“É irônico que esta cúpula aconteça em Haia e ignore a conclusão e o imperativo legal do tribunal mais alto do mundo, que fica nessa cidade”, apontou Ware, que também integra o World Future Council. A cúpula de Haia será a terceira. A primeira foi realizada em 2010, em Washington, e a segunda dois anos depois, em Seul.

Ao primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, disse que no mundo há uma quantidade “enorme” de material nuclear. “Se cair em mãos de terroristas as consequências poderão ser desastrosas. A comunidade internacional deve fazer tudo o que estiver ao seu alcance para impedi-lo”, afirmou. Como anfitriã da reunião, a Holanda contribuirá com um mundo mais seguro, acrescentou.

Desde a última cúpula houve alguns avanços, afirmou à IPS o especialista M. V. Ramana, da Escola Woodrow Wilson de Assuntos Públicos e Internacionais da Universidade de Princeton. Segundo a Iniciativa Contra a Ameaça Nuclear, que, por sua vez, cita a Administração Nacional de Segurança Nuclear dos Estados Unidos, sete países (Áustria, República Checa, Hungria, México, Suécia, Ucrânia e Vietnã) eliminaram de seus territórios todos, ou a maior parte, os materiais que pudessem ser usados para fabricar armamento atômico.

“Naturalmente, isto é bom”, pontuou Ramana. “Mas esses não são os países que preocupam realmente a comunidade internacional, nem têm grande quantidade de material físsil”, acrescentou. Para ele, a principal preocupação deveriam ser os países que possuem essas armas, isto é, os Estados nucleares. E neles o cenário é o mesmo de sempre, com planos de manter essas armas, os materiais físseis necessários e, em alguns casos, programas para produzir mais. “Não espero que nenhum deles faça algum anúncio drástico durante a cúpula”, ressaltou.

O presidente norte-americano, Barack Obama, declarou a jornalistas que em uma estranha mudança da história, a ameaça de uma guerra nuclear mundial diminuiu, mas o risco de um ataque atômico aumentou. E que qualquer uso desse armamento em uma área urbana do século 21 criaria uma catástrofe humanitária, ambiental e financeira sem precedentes.

Com a intenção de ressaltar esses perigos, começou ontem, e termina hoje no México, no ocidental centro turístico de Nuevo Vallarta, a Segunda Conferência sobre o Impacto Humanitário das Armas Nucleares. Ware considera importante que governos, cientistas, legisladores e sociedade civil cooperem para garantir que os materiais e a tecnologia estejam sob controle seguro, para impedir que sejam utilizados para fabricar um artefato nuclear que seja usado.

O governo holandês deixou claro que o objetivo da Cúpula é limitado, ao destacar que “não é sobre não proliferação, mas sobre o material nuclear sem controle e para garantir que não caia em mãos erradas”. E, segundo Amsterdã, a cúpula não debaterá sobre desarmamento, os prós e os contras da energia nuclear, nem a proteção contra desastres naturais.

Porém, os governos dedicam, compreensivelmente, recursos consideráveis para impedir que os materiais atômicos se propaguem até atores não estatais, ressaltou Ware. “Contudo, onde estão os mesmos recursos para eliminar os atuais arsenais, incluídos os instalados na Holanda, e para proteger as reservas de materiais físseis nas mãos dos Estados nucleares?”, questionou. Envolverde/IPS