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Agonia do Lago Chilwa deriva em migrações

Lago Chilwa. Foto: Gio la Gamb

 

Lago Chilwa, Malawi, 21/8/2012 – Pescadores e agricultores que vivem em torno do Lago Chilwa, segunda maior fonte hídrica de Malawi, se mudam em massa e buscam desesperadamente lugar na costa, pois a água diminuiu perigosamente. Sosten Chiotha, do Programa para a Adaptação à mudança climática da Bacia do Lago Chilwa, disse que este poderá secar totalmente no próximo ano se a falta de chuva na região se prolongar.

O Lago já havia secado completamente em 1995, depois de uma seca, quando as precipitações ficaram entre 775 e 748 milímetros durante dois anos consecutivos. Segundo o Serviço Meteorológico de Malawi, as precipitações na área do Chilwa foram inferiores a mil milímetros nos últimos anos. Em 2011 e 2012, as chuvas chegaram a 1.048 e 655 milímetros, respectivamente, detalhou Chiotha. “Isto não é suficiente para manter o Lago”, afirmou.

Em março parecia que a situação não era tão ruim, mas gradualmente os níveis começaram a baixar, sobretudo nas praias de Mposa e Namanja, contou Chiotha à IPS. A população dessas praias já começou a se assentar nas de Swangoma, Chisi e Kachulu em busca de melhores lugares para pescar e terra cultivável, disse o especialista. Mas, não pôde especificar quantas pessoas se mudaram até agora. Chiotha, também diretor regional do centro de estudos ambientais e de desenvolvimento Liderança em Meio Ambiente e Desenvolvimento na África Austral e Oriental, alertou que a situação pode se agravar se o Lago continuar secando. O movimento de pessoas “também está causando congestionamento e potenciais conflitos”, acrescentou.

Mais de 1,5 milhão de habitantes dos distritos de Machinga, Phalombe e Zomba se beneficiam do Lago, de 60 quilômetros de comprimento por 40 de largura. A atividade na área gera cerca de US$ 21 milhões ao ano. Desse total, US$ 18,7 milhões entram com a pesca e o restante com agricultura, caça de aves e uso de pastagens, e areia para produzir materiais de construção, informou o Programa. Cerca de 17 mil toneladas de pescado (20% de toda pesca desta nação da África austral) provêm do lago.

Godwin Mussa, de 41 anos e que morou toda sua vida na praia de Namanja, foi obrigado a mudar-se para a de Chisi em julho em busca de melhores lugares para pescar. “A pesca fica cada vez mais difícil, já que a água se afasta da praia. Acabo de mudar para Chisi para poder manter minha mulher e meus seis filhos”, disse Mussa à IPS. O pescador afirmou que agora só captura, em média, cem peixes por semana, contra 600 no ano passado. “A pesca é meu único sustento, e é só por isso que queria mudar. Simplesmente espero que tenhamos boas chuvas este ano para podermos regressar. Os pescadores daqui nos veem com receio porque viemos para seu território. Estamos buscando desesperadamente lugares para pescar”, destacou.

Os agricultores também passam por situação semelhante. Debra Chalichi, do distrito de Phalombe, pratica a agricultura de irrigação na bacia do Lago desde 2007. Mas este ano teve que esperar as chuvas para poder irrigar seus cultivos. “Desde o ano passado, o Lago está se afastando de onde fica minha plantação. Já não posso canalizar a água para irrigar, porque esta continua retrocedendo”, disse à IPS. Chalichi contou que costumava colher arroz duas vezes ao ano, mas em 2012 só o fez uma vez. “O cultivo de arroz é meu sustento, e agora sou mais pobre. Costumava realizar vendas no valor de US$ 2 mil, mas este ano só consegui vender US$ 800”, afirmou.

O arroz é o segundo alimento básico de Malawi, depois do milho. Das estimadas cem mil toneladas de arroz colhidas neste país, 50% provêm dos terrenos alagadiços do Chilwa, segundo estatísticas do Ministério da Agricultura. Não há estimativas disponíveis sobre a produção de arroz para este ano. Chiotha indicou à IPS que as baixas precipitações estão afetando o sustento e a alimentação dos que moram em volta do Lago.

John Kabango, de 51 anos, originário do distrito de Zomba, pesca no Lago desde 1981. Ele contou que em 2005, a última vez em que o nível do Lago baixou, precisou se mudar para a capital comercial do país, Blantyre. Ali trabalhava à noite como guarda de segurança em uma fábrica, até que a situação melhorou e pôde voltar para sua casa. “Nunca gostei do trabalho em Blantyre. Me criei como um pescador, e este é o trabalho que estou acostumado. Nunca consegui muito dinheiro como segurança, de todo modo, e não quero voltar a essa vida”, disse à IPS, acrescentando que ganhava mais de US$ 800 por semana com a pesca, mas como guarda recebia apenas US$ 100 por semana.

“Era muito difícil manter minha família quando era segurança”, recordou este pai de seis filhos. Mas sua captura está diminuindo drasticamente desde 2011, quando o Lago começou a secar novamente. “Costumava pegar 500 peixes por noite, mas tenho sorte se agora consigo 150. Não faço tanto dinheiro e não sei se poderei manter minha família se o Lago secar”, afirmou.

Kabango uniu-se a uma iniciativa comunitária patrocinada pelo Programa para implantar medidas de adaptação e ajudar os moradores a enfrentar a falta de chuva e a consequente redução do Lago. “Cavamos tanques ao redor do Lago para permitir que os peixes encontrem proteção e criá-los ali quando o Lago secar”, contou. Também disse que os agricultores estão adotando métodos modernos de irrigação, e que começaram a usar bombas a pedal para extrair água. “Minha mulher planta e agora participa do projeto de coleta de água, para que esta seja usada quando o Lago retroceder ainda mais”, informou o pescador. Envolverde/IPS