Estudo sobre estresse na gravidez e abusos na infância comprova hipótese da epigenética: ambiente pode interferir diretamente sobre os genes.

Uma mulher passa por estresse durante a gravidez. Uma criança sofre abuso físico ou psicológico quando pequena. Esses fatos podem ter alguma consequência genética na criança? Um estudo recentemente publicado por cientistas da Universidade de Konstanz, na Alemanha comprova que sim.

Há tempos, sabe-se que crianças cuja mãe estava cronicamente estressada durante a gravidez têm maior propensão a apresentar distúrbios psicológicos ou comportamentais quando adultos. Sabe-se também que crianças que cresceram em ambientes abusivos apresentam maior tendência a se tornarem abusivas. Porém, não estavam claros os motivos que levam a essas estatísticas. O novo trabalho científico, liderado pelos geneticistas Axel Meyer e Thomas Elbert aponta claramente o papel da epigenética (verbetes na Wikipedia: português e inglês)

Trata-se de algo cujo estudo é recente e ainda pouco conhecido. Em determinadas condições, influências do meio podem provocar alteração direta no código genético das células, mantidas quando estas se reproduzem. Isto pode ocorrer por diversos mecanismos, o principal dos quais é chamado de metilação. Ele pode neutralizar um gene, ao agregar à adenina ou citosina – duas das quatro bases químicas que compõem o DNA – o metil, um grupo de átomos cuja fórmula é CH3.

Descrita num texto publicado na última edição da revista The Economist, a alteração se dá, grosso modo, da seguinte maneira: 1) o estresse prolongado da mãe gestante, ou o abuso sexual sofrido pela criança, metila, no embrião ou após o nascimento, o gene responsável por produzir receptores de glucocorticoide; 2) estes receptores estão relacionados à transmissão, para as células do cérebro, de hormônios de estresse presentes no sangue; 3) a ausência dos mesmos receptores resulta numa produção anormal de hormônios de estresse. Ela prolonga-se no tempo e está relacionada tanto a distúrbios físicos e psíquicos (tendência à obesidade e depressão, por exemplo) quanto a comportamentos (agressividade, impulsividade e, em homens, propensão à violência sexual).

Do ponto de vista médico, a pesquisa pode levar a drogas que desmetilam (ou seja, reativam) os genes. É algo que já está em desenvolvimento, embora ainda inicial. Mas a descoberta também pode influenciar, de modo saudável, o debate de ideias. Há alguns anos, estavam muito em voga interpretações que atribuíam quase todos os comportamentos (inclusive os ligados a opções individuais, como as preferências alimentares) à simples herança genética. Estudos como o da Universidade de Konstanz contrariam esta visão determinista. Eles evidenciam o contrário: em certos casos, é o ambiente social e cultural que influi ativamente sobre o código genético.

* Publicado originalmente no site Outras Palavras.