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Agricultores africanos buscam dinheiro privado

O moçambicano José Ricardo, produtor de batata-doce, em Maputo. A África importa alimentos por quase US$ 40 milhões, mas especialistas afirmam que deve se tornar mais autossuficiente. Foto: Busani Bafana/IPS
O moçambicano José Ricardo, produtor de batata-doce, em Maputo. A África importa alimentos por quase US$ 40 milhões, mas especialistas afirmam que deve se tornar mais autossuficiente. Foto: Busani Bafana/IPS

 

Maputo, Moçambique, 12/9/2013 – A África importa quase US$ 40 bilhões em alimentos por ano, mas deveria implantar medidas para atrair investimentos do setor privado na agricultura, para reduzir essas compras e aumentar sua autossuficência, afirmaram à IPS especialistas do setor. “Nos próximos dez anos, os países africanos não deveriam depender da ajuda alimentar, mas produzir seus próprios alimentos e, quando estes terminarem, comprá-los dentro da África”, disse à IPS o professor Mandivamba Rukuni, pesquisador em agricultura e diretor do Barefoot Education for Africa Trust.

“A autodependência alimentar significa geração de riqueza, e os agricultores deveriam estar diretamente vinculados aos mercados. Mais pessoas terão mais dinheiro nos bolsos se mais pequenos agricultores cultivarem com rentabilidade, e isto pode ser feito”, afirmou Rukuni. Segundo o Informe de Estatísticas sobre Agricultura Africana da Aliança para a Revolução Verde na África (Agra), apresentado no dia 4 em Maputo, os países do continente produziram 157 milhões de toneladas de cereais e importaram 66 milhões em 2010.

Em agosto, o Fórum para a Pesquisa Agrícola na África calculou as atuais importações de alimentos do continente em mais de US$ 40 bilhões, dinheiro que, se afirma, seria melhor gasto se fosse para permitir que os agricultores africanos se tornassem autossuficientes. Na Declaração de Maputo de 2003, os chefes de Estado e de governo da África se comprometeram a melhorar o desenvolvimento agrícola e rural no continente. O documento incluía o ambicioso objetivo de os governos destinarem pelo menos 10% de seus orçamentos nacionais para essa finalidade.

Entretanto, nos últimos dez anos, apenas alguns dos 54 Estados membros da União Africana (UA) concretizaram esse investimento, entre eles Burkina Faso, Gana, Guiné Equatorial, Mali, Níger e Senegal. Outros 27 desenvolveram planos formais de investimento em agricultura e segurança alimentar por meio de pactos nacionais, resultado de mesas-redondas que reúnem os atores mais importantes do setor, e nas quais se busca acordar prioridades.

Um dos poucos países que priorizam os investimentos em agricultura é a Nigéria. Nessa nação do ocidente africano o governo desenvolveu o Sistema de Risco Compartilhado para Empréstimos Rurais baseado na Iniciativa da Nigéria (Nirsal), que busca reduzir o risco na cadeia de valor agrícola, criando capacidade no longo prazo e institucionalizando incentivos para os créditos no setor. O objetivo do Nirsal é expandir os empréstimos bancários na cadeia de valor agrícola.

O ministro de Agricultura e Desenvolvimento Rural da Nigéria, Akinwumi Adesina, disse à IPS que o país está obtendo US$ 3,5 bilhões para o setor dos bancos locais. O governo assume o risco em uma tentativa de atrair a participação dos privados. “Desenvolvemos um enfoque para que o setor privado tenha acesso às finanças, porque sem elas não se pode fazer muito”, ressaltou à IPS. “Trabalhamos em novos instrumentos de financiamento que permitirão aos nossos mercados de capitais trabalharem para a agricultura. Esta representa 44% de nosso produto interno bruto e 70% de todo o emprego, mas obtém apenas 2% de todos os empréstimos bancários na Nigéria”, acrescentou.

Por sua vez, Rukuni disse à IPS que, embora a maioria dos países africanos não possa comprometer 10%, considera-se sábio fazê-lo. “Embora 10% seja uma linda cifra sobre a qual se falar, não é mágica. O mais importante é promover um financiamento público catalisador, onde o governo, seus especialistas, agricultores e o setor privado trabalhem juntos e entendam realmente que é fundamental impulsionar os investimentos do setor privado”, destacou.

Citando China, Índia e Brasil como exemplos de associações público-privadas, Rukuni disse que já é tempo de os africanos compreenderem que a agricultura não será competitiva sem que governos e empresários estabeleçam objetivos conjuntos em matéria de desenvolvimento de infraestrutura, por exemplo. “O segredo está no setor privado colocar mais dinheiro na agricultura”, opinou Rukuni. “Não há nenhum lugar no mundo hoje onde alguém possa fazer com que o governo ou a indústria avancem se não trabalharem junto com o setor privado”, acrescentou.

O informe da Agra diz que, apesar de mais de 70% da terra de qualidade da África estar ainda sem cultivar, as fazendas continuam diminuindo. Este fenômeno tem impacto na produtividade dos 33 milhões de pequenos produtores responsáveis por até 90% da produção agrícola do continente. A Aliança estima que um crescimento agrícola de 1% aumentaria em mais de 2,5% a renda dos pobres, embora apenas 0,25% dos empréstimos bancários no Mercado Comum para a África Oriental e Austral sejam para pequenos agricultores.

A comissária de Economia Rural e Agricultura da UA, Rhoda Peace Tumusiime, disse à IPS que investir na agricultura africana se tornou mais urgente do que antes, e que isto se reflete no movimento político para o desenvolvimento de planos nacionais. Isto é promovido pelo Programa Geral para o Desenvolvimento da Agricultura na África (CAADP) da União Africana, para a eliminação da fome e a redução da pobreza. “Setenta por cento da população depende da agricultura. É uma porcentagem muito grande, por isso se nos concentramos em melhorar a situação destes 70% se erradicará a pobreza. Não queremos uma situação em que as economias estejam crescendo mas a agricultura não”, ressaltou Rhoda.

Em um informe de março deste ano, intitulado Cultivando África: Desbloqueando o Potencial dos Agronegócios, o Banco Mundial exortou os governos a melhorarem suas políticas e promoverem os agronegócios como vetores de crescimento. Abraham Sarfo, conselheiro agrícola, técnico e assessor vocacional na Nova Aliança para o Desenvolvimento da África, afirmou à IPS que a agricultura costuma ser parte de um planejamento de desenvolvimento, mas que agora estava na agenda continental mediante o CAADP para eliminar a fome e reduzir a pobreza.

“Um setor que contribui com mais de 30% da economia de um país e ainda está no nível de subsistência mostra até que ponto está subdesenvolvido, na comparação com a mineração ou com as tecnologias para a informação e a comunicação, que atraem o setor privado”, pontuou Sarfo à IPS. O conselheiro também chamou a atenção para que se aumente os modelos inovadores de financiamento que eliminem os riscos nos investimentos agrícolas para atrair o setor privado.

Phillip Kiriro, presidente da Federação de Agricultores da África Oriental, que representa cerca de 200 entidades do setor, declarou à IPS que o acesso a insumos cruciais e a melhores tecnologias avançou levemente nos últimos dez anos, mas que os governos ainda precisam ajudar os produtores a viverem de suas terras. Envolverde/IPS